quarta-feira

Nossa Senhora da Oliveira e a Igreja Matriz de Samora Correia




por João Aníbal Henriques

A inovação de Nossa Senhora da Oliveira, misto de várias lendas que congregam uma orientação devocional ancestral, surge em diversos recantos de Portugal. Sendo maioritariamente do Século XVIII, no que ao território nacional diz respeito, a lenda remete para histórias antigas que provavelmente conjugam práticas e rituais pré-Cristãos que foram sendo progressivamente integrados no culto Católico.




No caso de Samora Correia, onde a Senhora da Oliveira surge associado à lenda do aparecimento de Nossa Senhora a uma criança paraplégica a quem ajudou a curar-se, a lenda faz perdurar uma atípica ligação aos ritos relacionados com o sofrimento e a dor. De facto, Nossa Senhora da Oliveira é originariamente uma inovação que se fundamenta na Paixão de Jesus, na Palestina, onde o sofrimento extremo do Senhor é elemento indissociável da libertação da própria humanidade. E é esta inovação, que está amiúde relacionada com o sofrimento intolerável da Mãe de Cristo pelo calvário sofrido pelo seu Filho, que estabelece a relação sincrónica com a criança ribatejana bafejada com o dom da libertação do seu suplício precisamente pela Senhora da Dores (ou das Dores) simbolizada pela omnipresente oliveira.




A Mãe de Cristo, por extensão Mãe da Humanidade no seu todo, congrega no seu sofrimento a dor do seu Filho, reforçando dessa maneira a entrega total à causa da salvação da humanidade. Na Bíblia, Nossa Senhora surge descrita precisamente como o fruto privilegiado dessa árvore importantíssima para a qualidade de vida no médio-Oriente, dizendo-se mesmo que a sua glória é igual ao fruto da oliveira. A santidade de Nossa Senhora cumpre-se assim numa abordagem curativa, dela dependendo o povo para o desvanecimento das suas chagas.

A ligação a São Tiago, que também lendariamente terá trazido consigo a imagem de Nossa Senhora da Oliveira que se encontra em Guimarães, estabelece também ele relação com a invocação ribatejana, em virtude de a Igreja Matriz de Samora Correia, construída em 1721 pelo Padre Henrique a Silva Araújo, sobre as ruínas demolidas de um templo anterior, pertencer originalmente à Ordem e Santiago da Espada, cuja inovação surge em paralelo com a da Senhora da Oliveira.

Do espólio da igreja faz parte um importantíssimo património azulejar contemporâneo da sua construção que, apesar de bastante maltratado pelo terramoto de 1755 e, posteriormente, pelo grande terramoto que afectou a região do Ribatejo em 1909, apresenta ainda um nível artístico digno de uma atenção muito especial. Quase inteiramente dedicado a São Tiago, cujas armas da ordem militar se encontram pintadas no tecto da igreja, os painéis de azulejos foram assinados com a sigla P.M.P., retratando o “Mata Mouros” como monge-guerreiro, numa alusão directa ao esforço da reconquista Cristã e ao papel que ela teve na consolidação da Identidade Nacional.




Na fachada da igreja, a cerca de 14 metros de altura, nasceram (julga-se que de forma espontânea) uma oliveira e uma figueira, que do alto da sua vetustez, fazem parte da imagem de marca do monumento. Estando previsto o seu corte durante as obras de recuperação que recentemente tiveram lugar no templo, foi amplamente criticado pelo povo de Samora Correia que conseguiu que se mantivessem como parte integrante do mesmo.

Classificada como Imóvel de Interesse Público desde 1957, a Igreja de Nossa Senhora da Oliveira de Samora Correia, impõe-se na paisagem da cidade e no conjunto patrimonial ribatejano, apresentando um conjunto de incongruências ao nível da definição espacial e da sua localização que são bastante ilustrativas da realidade religiosa e comunitárias deste recanto de Portugal.





Parte integrante do antigo terreiro do Palácio dos Infantado, cuja fachada principal está para ela virada, a Igreja Matriz de Samora Correia é inultrapassável numa visita ao Ribatejo e é peça essencial na compreensão daquilo que foi sempre a enorme ligação de Portugal à figura de Nossa Senhora. 

segunda-feira

O Palácio do Infantado em Samora Correia




por João Aníbal Henriques

O Ribatejo, com a sua lezíria verdejante e as águas pressentidas do Tejo sempre no horizonte, exerce um ancestral atractivo sobre as comunidades humanas. Desde tempos imemoriais, provavelmente desde que existe um homem sobre a Terra, que a actual província do Ribatejo é habitada, nela tendo ficado os vestígios e as marcas de muitos milhares de anos e de gerações sobre gerações que nela se deleitaram ao longo do tempo.

É, pois, essa mesmo a explicação para o nascimento de Samora Correia. Elevada à categoria de cidade em 2009, e mantendo-se como cabeça de uma das principais freguesias do Concelho de Benavente, Samora Correia acompanha o processo de reestruturação e açoreamento do Rio Tejo, em cuja margem esquerda está implantada, alcançando assim as condições que permitem u assentamento humano mais permanente. A partir do Século XII, quando Dom Sancho I entregou o seu território nos domínios da Ordem Militar de Santiago da Espada, Samora Correia conheceu as suas primeiras grandes construções, nomeadamente o Baluarte de São João Baptista e a primeira versão daquela que é hoje a sua Igreja Matriz.




As terras de Samora eram, naqueles idos antigos em que Lisboa era ainda uma miragem longínqua afastada pelas águas do rio, basicamente reserva de caça dos grandes senhores de Portugal, que durante bastante tempo foram a razão de ser da importância daquela terra.

A criação da Casa do Infantado, no tempo de Dom João IV, com o objectivo de garantir rendimento para os filhos segundos do monarca, marca o principal ponto de viragem na História de Samora Correia. A partir dessa altura, o seu território passa a receber a visita constante das principais figuras da vida Nacional, tornando-se espaço incontornável na definição da Identidade de Portugal.

O Palácio do Infantado, também conhecido como Palácio de Dom Miguel ou Palácio da Companhia das Lezírias, é o principal monumento de Samora Correia, representando de forma óbvia o devir quotidiano da terra e das suas gentes.




Construído na segundo metade do Século XVI por iniciativa de Dom Francisco de Bragança (1691-1742), filho do Rei Dom Pedro II, o palácio era sobretudo um porto de abrigo para os dias de caçada real de que tanto gostava o infante. Embora apresentasse uma formulação espacial diferente daquela que ostenta hoje, com um único piso que se prolongava em frente da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, o palácio era já o pólo central do processo determinante de exploração do actual território ribatejano, consolidando uma estratégia de ocupação e de exploração do solo que culminará, alguns anos depois, com a criação das lezírias tal como hoje conhecemos.

Tendo sobrevivido ao terrível terramoto de 1755, que praticamente devastou a região de Lisboa, o palácio surge nas memórias Paroquiais como tendo sido a morada principal do Infante D. Francisco.
A ligação ao partido conservador e absolutista de Dom Miguel, também ele um apreciador do cenário de caça propiciado por Samora Correia, surge já em pleno Século XIX, quando as forças do Remexido chegam ao local onde são presas pelos defensores do novo regime constitucional.




Em termos de cataclismos, o Palácio do Infantado sobreviveu ainda ao terramoto de 1909, que arrasou quase por completo as habitações muito precárias do povo de Samora Correia, tendo sido posteriormente destruído por um enorme incêndio que nele lavrou no ano de 1976. Depois dessa data e de uma série de campanhas de obras que se prolongaram até 1998, foi totalmente reconstruído tendo angariado a forma que hoje se lhe conhece.

Pólo central da vida cultural da Cidade de Samora Correia, o Palácio do Infantado, com a sua localização privilegiada no largo fronteiro à Igreja Matriz e em pleno coração do núcleo histórico consolidado da povoação, é hoje espaço incontornável numa visita do Ribatejo, ali sendo possível perceber com mais rigor a forma como se consolidou toda aquela tradicional região.  


quarta-feira

A Igreja de São Domingos de Rana




por João Aníbal Henriques

Profundamente ligada ao trabalho da pedra, numa zona do Concelho de Cascais onde as pedreiras e os ofícios de cantaria assumiam especial importância, a Igreja de São Domingos de Rana é um dos mais importantes imóveis históricos que fazem parte do Património Cascalense.

Sem se conhecer a data da sua fundação, nem tão pouco se a antecedeu qualquer outra espécie de espaço de culto ou edifício sagrada que tenha anteriormente ocupado o alto da colina onde se ergue este templo, remete para a lenda e para as tradições orais as principais indicações que nos permitem compreender o imóvel no contexto da religiosidade rural do interior do Concelho de Cascais.





Reza a lenda que, algures durante a Idade Média, os trabalhadores que tiravam pedra das muitas pedreiras existentes nesta zona, viam amiúde a figura de São Domingos de Gusmão passeando reiteradamente por aquela zona. O santo, historicamente nascido em Castela em Junho de 1170 e que foi fundador da Ordem dos Pregadores, mais tarde conhecidos como Dominicanos, está ligado de forma directa aos rituais de despojamento que determinam a essência sagrada do culto Cristão em Portugal.




Depois de ter viajado ainda muito novo até à Dinamarca para participar no acto solene de trazer para a Península Ibérica a noiva Escandinava do Príncipe de Castela, São Domingos terá ficado profundamente impressionado com a falta de conhecimentos que aqueles povos teriam de Cristo e da sua doutrina. Nasce-lhe assim, num acto de inspiração que muda vida até à actualidade, a ideia de criar uma ordem cujo objectivo essencial seria o de evangelizar esses territórios, conquistando Almas novas para o orfeão Cristão. As dificuldades, no entanto, associadas a várias experiências que o ajudaram a despertar os sentidos e a clarividência, mostraram-lhe que o Ser Humano não é naturalmente bom nem tem uma natural propensão para a bondade. Pelo contrário! O apelo do mal e da maldade, reconhecido nos mais mesquinhos apontamentos da vida de cada comunidade, mostraram a São Domingos que o único caminho possível em direcção ao Céu e a Deus, era o da abdicação total e absoluta à mundanidade e à materialidade da vida corrente, como forma de propiciar a libertação do anjo sagrado que o Santo considerava que existia dentro de cada um e que se mantinha subjugado pelas tentações carnais do mundo e da sociedade.

Domingos de Gusmão, com influência existencial marcada pelo ideário cátaro, liberta-se assim das pulsões da natureza e determina uma ordem na qual o afastamento do mundo e das coisas é a regra principal. A Ordem de São Domingos, mendicante de origem, é assim o repositório mais profundo da ancestralidade mística de Portugal, num plano de existência na qual a iluminação advém directamente da capacidade de libertar o espírito do que da compilação da doutrina conventual.




A propensão para locais recônditos e remotos, dos quais fosse possível obter uma visão periférica e exterior do mundo, surge em sequência com a escolha lendária do local onde havia de vir a ser erguida a Igreja de São Domingos de Rana. No cimo da colina de Rana, da qual é possível abarcar uma paisagem que se estende por terra e pelo mar ao longos de muitos quilómetros de distância, a actual igreja motiva o eremita a uma comunhão directa com Deus através de um esforço de contemplação do qual não está alheada a entrega total e absoluta aos ideias de despojamento que serão sempre apanágios das mais iluminadas e marcantes figuras da História de Portugal.

Em termo históricos, a Igreja de São Domingos que hoje temos é o produto dos restos da antiga igreja construída no início do Século XVIII e que foi amplamente destruída pelo terramoto de 1755. Há, no entanto, notícia, de que antes dessa data, já em meados do Século XVI, ali existia um templo Cristão, cujas origens documentais se desconhecem.

A qualidade dos materiais da igreja, até por ser esta uma terra de canteiros e de pedreiras florescentes, dão corpo a um dos mais importantes monumentos do Concelho de Cascais. A sua fachada, altivamente erguida com vista para Sul e para o Estuário do Rio Tejo, denotada uma riqueza arquitectural que destoa da pobreza tradicional das povoações da envolvente. As suas duas torres sineiras, uma das quais ostentando um vetusto relógio de Sol, enquadram-se nos padrões construtivos que deram o mote à reconstrução do concelho nos finais do Século XVIII e início do Século XIX; apresentando um porte altivo que contrasta com a singeleza do seu interior.




Em termos territoriais e devido à posição estratégica que ocupa perante o território que a envolve, a Igreja de São Domingos de Rana foi sempre referência essencial para a navegação, servindo de guia para as entradas e saídas da Barra do Tejo.

Concretizando na solidez do seu porte a Fé dos habitantes de São Domingos de Rana, a igreja de São Domingos é um dos mais interessantes atestados do poder que a devoção tem na formação das comunidades locais, tendo sido ela o principal factor determinante da criação da própria localidade que a envolve.

segunda-feira

L’Église de Saint Antoine - Un Bastion de la Memoire à L’Estoril




Insérée dans une ambiance cosmopolite, où régne la logique touristique, l’église de Saint  Antoine de l’Estoril, Qui est devenu un lieu d’excepionnel intéret pour l’éventuel visiteur, présente une histoire pleine de vicissitudes.

Les premiéres mentions à ce lieu se rapportent à 1527, quand on appris l’existence d’une petite église en bois dédiée  à Saint Roch, avec un autel à Saint Antoine mis au seuil, construit par Leonor Fernandes, qui deumeurait au “Casal do Estoril”.

Selon Ferreira de Andrade, le terrain où se dressait cette petite église appartenait, au XVIéme siécle, à Luis da Maia, Qui l’aurait dotée à l’ordre de Saint François. Avec das pierres provenant de l’ancien Couvent d’Enxobregas, les religeux nouveaux-logés ont commencé tout de suite la construction d’un nouveu temple auquel on a annexé un petit ermitage et un atélier artistique.




Physiquement, léglise était composée par une seule nef avec trois autels: Il y avait une image de la Vierge de la “Boa Nova” sur l’autel principal; dans les autres, il y avait les images de Saint Dominique et de Saint François. Selon la “Crónica Seráfica da Santa Província dos Algarves”, où on décrit les bâtiments de l’ordre de Saint François, il y aurait encore une image de Saint Antoine à côté de l’épitre, sur l’autel principal. Il y aurait une image du Saint thaumaturge avec plus au moins de trois pieds de haut, où se trouve aujourd’hui la croix, tout près du parvis de l’actuelle église. Les primitifs carreuax vernissés datés de 1719 et de 1751, dénotent una noble qualité de production artistique.

Presque entiérement détruite par le tremblement de terre de 1755, l’église a souffert, au XVIIIéme siécle, de grandes transformations. Commencé en 1756 sur l’initiative du gardien du temple, Frei Basílio de São Boaventura, le chantier de récupération a été fait sur un rythme extraordinairement rapide. On a pris connaissance en 1758, deux ans après son commencement, que les travaux de reconstruction de l’autel étaient déjà terminés, avec as actuelle sculpture dorée. Le même religieux, soigneux, exécuteur de ses devoirs, a élargi encore le choeur vers le parvis, à peu près douze pieds, en le dotant de trois larges fenêtres sur la façade intégralement effectuée en pierre de taille, ainsi qu’on la trouve aujourd’hui, et l’image de Saint Antoine placé dans un niche qui si trouvait au-dessus.




En 1834, quand les ordres religieux ont disparu, le Couvent a été vendu aux encheres à Manuel Joaquim Jorge, qui a construit dans les terrains annexes un bâtiment de rapport, qu’il louait pendant l’époque estivale fut remisse à la confrérie de Saint Antoine de l’Estoril.

Néanmois, l’histoire de cette église ne finit pas ici, une fois qu’en 1927 un incendie a détruit le temple reformé du Viéme siécle. Le combat engagé contre le feu par les pompiers es divers corporations presentes, a permis la récupération d’une grande partie du mobilier, du crucifix de l’autel, des chandeliers d’argent et de plusieurs objets du culte.




Le projet de Tertuliano Marques a permis sauver quelques anciens carreaux vernissés et maintenir l’esquisse original du bâtiment, en lui accroîtant les fresques de l’actuel toit, dont l’auteur est Carlos Bonvalot, Qui a acore dressé quelques nouveaux carreaux vernissés qu’on y trouve encore aujourd’hui.

En 1929, à la cérémonie d’ouverture de la nouvelle paroisse de l’Estoril, déjà sur l’orientation du Monseigneur Moita, on a trouvé le temple avec son actuel aspect, une espéce de bastion de la mémoire d’un Estoril d’autrefois.

terça-feira

O Castelo de Arraiolos no Alentejo



por João Aníbal Henriques

Quando se chegada à Vila de Arraiolos, num qualquer final de tarde estival, é impossível ficar imune à beleza do recorte extraordinário do horizonte que envolve a sua paisagem. Por detrás do casario, que parece ouvir-se chiar mercê do calor imenso que a inclemência do Sol teima em provocar, vislumbram-se as sombras inquietas do velho castelo medieval, erguido numa época longínqua quando Portugal ainda não sabia o quanto iria durar.

O Castelo de Arraiolos, prenhe de História e de histórias, ocupa o alto da colina de São Pedro que estrategicamente serve de miradouro à localidade. Ali, desde tempos imemoriais que se acoutaram homens procurando discernir e prevenir ao longe os ataques e investidas dos inimigos que a sua condição os havia feito ganhar. Foi dali, em assentamentos que a arqueologia já provou que se prolongam desde a Pré-História, que os primeiros homens se dedicaram a estudar a natureza, fermentando as ideias que hão-de gerar o sedentarismo que hoje vivemos.




As muralhas velhas que hoje ali vemos, e que testemunham os últimos anos desta história extraordinária, são originárias do Século XIII, quando o Rei Dom Afonso II efectua a doação da chamada ‘Herdade de Arraiolos’ ao Bispo de Évora. Nesse documento, provavelmente motivado pelo clima de crescente animosidade vivida com os vizinhos Castelhanos, surge pela primeira vez a menção à necessidade de ali ser construído um castelo.

Não se sabendo se esta ordem de construção foi cumprida, ou pelo menos em termos parciais, mas sabe-se, no entanto, que durante o reinado de Dom Dinis o monarca determina a construção de novas muralhas com o intuito de reforçar a segurança do lugar e, dessa maneira, de motivar a instalação de novos habitantes que o viessem povoar. Em 1306, o Rei concedeu à povoação uma verba de 2000 libras para o início dos trabalhos, tendo escolhido o Mestre João Simão para as planificar.

A confirmação do Foral de Arraiolos, no ano de 1310, veio encontrar o novo castelo já terminado, fazendo menção à existência da Igreja Matriz do Salvador, pitorescamente colocada no ponto mais alto do lugar.




No tempo de Dom João I, depois da grave crise de 1383-85, o novo Rei oferece Arraiolos ao seu braço-direito, D. Nun’Álvares Pereira, a quem é entregue o título de Conde de Arraiolos. O Condestável, firmemente decidido em contribuir para o sucesso do projectado Portugal, entrega-se ali aos desígnios do céu e será a partir da Igreja do Salvador, num acto profundamente vincado pela Fé que corporiza a sua intervenção militar, que prepara as muitas incursões que chefiará contra Castela que virão a traduzir-se de forma cabal nos mais importantes argumentos a apoiar a causa Nacional.

O Santo Condestável, mais tarde convertido por completo à regra do claustro, preparará em Arraiolos o seu percurso de iniciação religiosa, ali bebendo, provavelmente das fontes árabes que se foram conservando, os ensinamentos e a sabedoria que culminará na sua entrada no Convento do Carmo, em Lisboa, e na completa e total abdicação da materialidade.

No que concerne ao castelo, a principal nota da sua longa história prende-se com a reiterada queixa por parte dos moradores de diversas eras relativamente ao desconforto dos ventos que o fustigavam. Ainda no esplendor da Idade Média, quando as paredes estavam novas e ofereciam a segurança que a população desejava, foram muitas as queixas daqueles que alegavam ser difícil passar as noites no cimo do monte. Mesmo depois de se fecharem as portas, correndo o risco de desagradar aos moradores do espaço situado fora das muralhas que ficavam à mercê dos acontecimentos, a generalidade da população acordava em que era impossível ficar lá dentro.




Terá sido esse o motivo, aliás que terá determinado um progressivo abandono do espaço amuralhado em prol do assentamento nas imediações do castelo, formando aquilo que é a Vila de Arraiolos que hoje conhecemos. A população, transportando consigo as pedras das suas casas antigas, desce da colina em direcção à planície circundante, fazendo da nova povoação uma espécie de cópia directa do povoamento original.

Dentro das muralhas, no perímetro mais antigo, subsistem actualmente a Igreja de São Salvador e os restos do Paço dos Alcaides que o terramoto de 1755 acabou por arruinar definitivamente.




No início do Século XX, quando o Rei Dom Carlos visitou Arraiolos, eram já as ruínas muito destruídas do velho castelo que ele vai encontrar, não se conhecendo desde essas altura campanhas de obras dignas desse nome que tivessem o objectivo de o recuperar.

Arraiolos, com o seu castelo altaneiro, é hoje um dos quadros mais impressivos do Alentejo. A beleza do seu horizonte, mesclado com o colorido das casas, tem o condão de nos transportar para outras eras e para outro tempos, se sair do mesmo lugar.

Vale mesmo a pena passar um dia inteiro por lá!

segunda-feira

A Capela de Nossa Senhora da Graça em Tires




por João Aníbal Henriques

Dizem os eruditos que a pequena capela de Tires foi dedicada a Nossa Senhora da Graça num acto de gratidão pelos benefícios recebidos pelos pescadores de Cascais, em 1362, quando foram libertados do jugo administrativo de Sintra.

O templo, no entanto, é muito mais recente, e embora não esteja datado em termos documentais, tal como acontece com a generalidade de espaços de culto semelhantes, será provavelmente originária do Século XVI ou XVII.

De planta simples e uma só nave, integra-se esta capela na tipologia mais comum dos monumentos de cariz rural e de estilo chão, espraiando a devoção dos habitantes mais humildes e geralmente ligados de forma perene à terra e à sua produção.

A inovação da Senhora da Graça, “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”, remete-nos para um universo religioso profundamente marcado pelas devoções antigas que proliferaram no actual território de Cascais desde tempos ancestrais. A concepção imaculada da Virgem-Mãe, arquétipo primordial da religiosidade pré-Cristã em Cascais, denota precisamente essa ligação à terra e aos ciclos da fertilidade, conduzindo-nos, numa linha mística repleta de significado, para a própria essência profunda e sagrada de Portugal.




De facto, Nossa Senhora da Conceição, Rainha e Padroeira de Portugal, foi sempre elemento indissociável das graças concedidas a este País, num fluxo constante de oração e Fé que marcou de forma indelével os mais importantes momentos da nossa História. O apelo à Rainha, mãe ancestral de todos aqueles que utilizam a força da natureza como bitola definidora das suas escolhas materiais, num «Ó» de súplica que fomenta os mantras sonoros típicos da sabedoria mais avançada, faz-se precisamente através de um acto de entrega total e absoluta à vontade de Deus numa ligação profunda ao martírio de Cristo em defesa dos seus pares.

Em Tires, Nossa Senhora da Graça é assim espaço de memória que se define a partir do fulcro mais importante da existência cultural da localidade. Com a sua estética simples, num corpo em que a única nave abre caminho simbólico em direcção ao céu, são de sublinhar os elementos decorativos esculpidos na pedra calcária da porta principal, nos quais a flor, natureza em movimento, nos transporta para a concepção onírica dos planos mais elevados. A torre sineira, simples na sua formulação, mas perfeita na forma como se integra na estética do lugar, prima pela proporcionalidade que fomenta o carácter da capela.





A Capela de Tires, no centro nevrálgico da localidade, é assim uma espécie de eixo definidor que nos permite conhecer melhor Portugal e a história recente das gentes anónimas de Cascais. Deve ser conhecido e reconhecidamente integrado na vocação turística deste lugar. 

A Igreja de São Vicente de Alcabideche




por João Aníbal Henriques

A Igreja de São Vicente de Alcabideche é o principal monumento religioso daquela importante freguesia de natureza rural do Concelho de Cascais. Embora seja de origem recente na sua formalização histórica, uma vez que as primeiras referências que sobre ela existem são do Século XVII, quando ali foi fundado o Compromisso do Santíssimo Sacramento, terá sido muito provavelmente antecedida por outros espaços de culto dos quais se perdeu memória.

Sucessivamente destruída por cataclismos naturais, nomeadamente pelo grande terramoto de 1755, o templo foi várias vezes reconstruído e adaptado, chegando assim à formulação singela e em estilo chão que actualmente apresenta.



O espaço onde o templo foi construído, num dos pontos estrategicamente mais relevantes da antiquíssima localidade de Alcabideche, deixa antever os vestígios daquilo que foi a Igreja de São Vicente noutras épocas e até em períodos em que existiam outras formas de religião. Em redor da capela, num espaço repleto de vestígios arqueológicos cronologicamente situados entre o Neolítico, o período Romano e a modernidade, foram encontrados vários vestígios de construções anteriores. Ainda hoje, encastrados nas paredes antigas das casas do largo e mesmo no interior do templo, existem várias lápides, estelas discóides e cantarias que comprovam a utilização antiga daquele espaço.



Na nave da igreja, situada à entrada logo a seguir à Pia Baptismal, está colocada uma antiga estela medieval, ostentando a Cruz de Cristo e a Flor-de-Lis, num apelo sentido à profundidade cultual de Alcabideche. Noutros pontos, fruto da reutilização de materiais que foram recuperados de ruínas que a precederam, existem vários exemplares de cantaria trabalhada manuelina, evidenciando que a data setecentista que se aponta como origem do templo, nada mais representa do que um dos momentos de reconstrução do mesmo.



A ligação a São Vicente, na linha da complexa orientação da Identidade Municipal de Cascais, recupera os valores essenciais da ocupação islâmica de Alcabideche. A temática dos corvos, que lendariamente terão impedido o corpo do mártir cristão de ser devorado pelos abutres, surge num contexto simbólico bem visível na história da localidade. Alcabideche, ou Al-Qabdaq na sua grafia árabe, está desde há muito ligada às dinâmicas da natureza que se espraiam nos ciclos agrícolas e na dependência da fertilidade. Quando Abu Zaid Abd-Arh Ramãn Ibn Mucane cantou os moinhos de vento de Alcabideche, já eram as aves de rapina, enquanto repositório do rol de preocupações que toldava a felicidade quotidiana da população, as referências essenciais num apelo sentidode dependência da terra e dos frutos que ela dava.

O corpo do mártir São Vicente, e a sua aventurosa viagem de partidas e retornos por terra, pelo ar e pelo mar, nem sequer escapou à ira do fogo, cuja dimensão simbólica nos arrasta de forma imediata para os mais complexos universos da purificação e expiação dos pecados mortais.




Alcabideche é, dessa forma, espaço de limpeza espiritual, num plano que o Cristanismo foi capaz de integrar no dia-a-dia da comunidade. A Igreja de São Vicente, testemunha antiga dos rituais de outrora, é também ela ponte de ligação entre as muitas gerações que sucessivamente vêm vivendo a sua vida nesta localidade, consolidando um pleito de cidadania que faz convergir vontades e formas de estar. 

sexta-feira

Milagre de Novembro em Cascais





Eu sou aquelle, que Cascaes já vi,
eu sou o que Cascaes não vejo já,
de quanto era dantes fumos dá,
e tudo he fumo o que contém em si.

Frei António do Espírito-Santo
Mestre de Filosofia do Convento de Nossa Senhora da Piedade em Cascais
1756


por João Aníbal Henriques

Eram 9h45 da manhã desse dia 1 de Novembro de 1755 quando a Vila de Cascais viveu o pior cataclismo da sua História. Depois de um início de dia calmo e ameno, que fez sair a população das suas casas para se dirigir às igrejas e capelas para assistir à Santa Missa do Dia de Todos-os-Santos, começaram a ouvir-se ao longe os rugidos tremendos oriundos das entranhas da terra e a sentir-se os primeiros tremores que anunciavam o terror que estava para vir.




Assustados, os Cascalenses de então refugiram-se na oração e, de dentro dos espaços sagrados de Cascais, assistiram incrédulos à completa destruição da sua terra. À medida que os abalos iam aumentando, fazendo cair pedras e as paredes velhas, aumentava o clamor do rugido que se ia misturando com a gritaria enlouquecida da população com a visão turvada pelo medo e pela morte. E como se não bastasse, porque a natureza foi especialmente truculenta naquele dia nefasto, num instante transbordaram as águas da Ribeira das Vinhas que encheram a vila e provocaram afogamentos sem igual. O mar, enraivecido também ele pelo desastre que se abatia sobre Portugal, galgara os rochedos e entrava livremente em Cascais, esmagando com a sua força muitos daqueles que procuravam sobreviver à desgraça geral.

Não tendo outro local para onde fugir, um grupo de Cascalenses refugiu-se dentro da frágil Capela de Nossa Senhora da Conceição, ali procurando a protecção divina contra a desgraça que imperava ao seu redor. Unidos pela sua Fé, fizeram um voto a Nossa Senhora dos Inocentes pedindo protecção contra o desastre que enfrentavam. E, tendo sido ouvidos pela Senhora da Conceição, que logrou salvar a singela capelinha dos fenómenos desastrosos que por todos os lados a atacavam, salvaram-se todos os que ali se tinham abrigado. Agradecidos pela mercê, criaram uma irmandade que tinha como principal objectivo o cumprimento do voto feito a Nossa Senhora, consignado numa Procissão que aconteceu anualmente até 1920, sempre com a presença de todo o povo de Cascais.




O milagre de Nossa Senhora da Conceição dos Inocentes, perpectuado em Cascais através da singela presença do antigo templo, é marca perene da devoção ancestral dos Cascalenses à sacralidade primordial da Senhora da Conceição. Simbolicamente agregada aos arquétipos ancestrais da fertilidade, congregando em seu torno o papel de mãe e protectora que ilumina aqueles que têm Fé na sua mensagem, a ritualidade mística que envolve esta devoção é inquestionavelmente um dos alicerces principais da vivência sagrada da vila de Cascais.




Não se conhecendo com rigor a data de construção da capela, mas inferindo que o ano de 1609 que consta no cruzeiro construído ao seu lado poderá corresponder ao início da sua edificação, a Capela de Nossa Senhora da Conceição dos Inocentes, para onde se transferiu o culto religioso depois de o terramoto ter destruído quase por completo todas as restantes igrejas e capelas da vila, apresenta uma planta simples à qual foram adicionados, já em meados do Século XIX, os dois corpos laterais, em linha com aquilo que era a tradição mais antiga da religiosidade de raiz rural que proliferava junto da população.

Passando hoje bastante despercebida no caminho de veraneio para o paredão, a Capela de Nossa Senhora da Conceição dos Inocentes carrega consigo uma das principais memórias de Cascais e aquela que é a pedra basilar da Identidade Municipal dos Cascalenses. O milagre de Novembro de 1755, quando se passaram já 261 anos desde aquela manhã faídica, é a prova cabal da ligação dos Cascalenses ao poder da Fé e à inequívoca capacidade que sempre demonstraram ter de viver de forma assumida os valores e os princípios que nortearam o seu devir existencial.



quinta-feira

A (in) Dignidade da Morte em Cascais




por João Aníbal Henriques

A morte faz parte da vida e é um momento pelo qual todos os seres humanos estão condenados a passar. Apesar disso, é daqueles fenómenos que geralmente nos passa ao lado, que acontece aos outros e que procuramos manter a distância para nos defendermos da sua permanente proximidade… no momento em que a legalização da eutanásia em Portugal está na ordem do dia, vale a pena reflectir calmamente sobre as reais implicações da vida e da morte no nosso dia-a-dia.




Por iniciativa do bloco de esquerda, deu entrada na Assembleia da República uma petição solicitando a legalização da eutanásia. O documento, assinado por dezenas de pessoas e muitas individualidades com prestígio junto da sociedade Portuguesa, surge numa linha de defesa intransigente do denominado ‘direito à autodeterminação’ de cada um, e sustenta-se numa pretensa defesa da dignidade da morte e de combate ao sofrimento.

Para os defensores da eutanásia, o acto de matar alguém cujo prognóstico médico já não permite longevidade na duração da sua vida, é um acto de misericórdia para com o doente e ajuda a preservar a sua dignidade durante os seus últimos momentos de vida.

Mas a dignidade da vida não pode medir-se pela bitola do sofrimento. Pois se assim fosse, todos aqueles que por infortúnio da sorte sofrem durante a sua vida, seriam indignos também… E não são. O sofrimento, seja ele causado pela dor provocada por uma doença ou por um acidente, pela morte de alguém que nos é muito querido, pela perda do trabalho ou por qualquer outro motivo de entre tantos que infelizmente afectam a humanidade, é parte integrante da vida e deve ser vivido de forma digna até ao fim, sendo que cabe à sociedade encontrar respostas que permitem minorá-lo e resolver as causas que o provocaram. É esse o pilar principal da solidariedade que nos humaniza!

Na petição que solicita a legalização da eutanásia, defende-se que o combate ao sofrimento se faça através da morte. Mas, como bem refere a nota da Conferência Episcopal Portuguesa sobre a mesma eutanásia, “não se elimina o sofrimento com a morte: com a morte elimina-se a vida da pessoa que sofre”. E é completamente diferente o modo de fazer e o resultado destas práticas antagónicas. Compreender o sofrimento, conhecer as suas causas e debelá-lo de todas as maneiras possíveis, é uma obrigação da sociedade perante aqueles que sofrem. Matar, pura e simplesmente, aquele que sofre, é contornar a sua causa e provocar artificialmente uma resposta final, sem possibilidades de reversão, que acaba com o efeito mantendo aquilo que o causou.

Na História recente do Mundo, temos infelizmente muitos exemplos de gente que defendeu práticas semelhantes para resolver problemas idênticos. Na Alemanha dos anos 30 do século passado, a morte dos inaptos (por diversos motivos que os dirigentes e então identificaram como válidos), foi a solução encontrada para resolver os problemas. Consequência principal: à sombra da argumentação que defendia a morte assistida, morreram muitos milhões de inocentes com implicações psicossociais únicas na configuração da civilização em que hoje vivemos.

Dirão alguns que a comparação é excessiva. Dirão outros que no caso em apreço serão decisores médicos aqueles que, com critérios científicos, avalizarão a sua concretização. Mas não é assim. Nos países que já legalizaram a eutanásia, multiplicam-se os exemplos de situações em que o critério que presidiu à decisão da morte foi um conceito abstracto de “sofrimento intolerável”. Mataram-se pessoas que sofriam por estar vivas e já não desejavam continuar a viver; mataram-se pessoas com desgostos variados que as colocavam num sofrimento atroz; e até se mataram crianças que padeciam de doenças graves e que nem sequer foram elas a escolher!




E em todos esses casos, teria sido sempre possível defender a dignidade da vida, ajudando essas pessoas a encontrar novos caminhos, novas alternativas e a recuperar o sentido e o valor da sua vida. E nos casos de doença, seria também possível, com os conhecimentos médicos que hoje temos, garantir o controle da dor física e reforçar de forma humanizada a resposta aos padecimentos de outro género que aqueles pacientes estavam a viver.

Mas a eutanásia pressupõe uma solução mais rápida e limpa, em que a sociedade vira as costas de forma simples aqueles que estão a sofrer e em que ratifica o acto da morte como forma de resolver o problema.

E isso é indigno da nossa humanidade. É indigno do dom da vida e da condição civilizacional que actualmente ainda temos.




Para ajudar a aprofundar este tema, procurando dar um contributo sereno e humanizado para a discussão que agora começa, a Paróquia de Cascais recebeu recentemente Isabel Galriça Neto e Pedro Vaz Pato para uma conferência sobre e eutanásia que decorreu no Centro Cultural de Cascais. Com lotação esgotada, foram muitos aqueles que ouviram as explicações dos dois especialistas sobre as várias questões associadas a este problema e que perceberam as reais implicações que a eventual aprovação desta proposta virá trazer. 

Os argumentos, compilados na nota pastoral que a Conferência Episcopal Portuguesa agregou num documento sobre o que está em jogo na eutanásia (ver AQUI), são simples de compreender. Não se trata de questões ideológicas ou de convicções religiosas. Trata-se tão somente da defesa da dignidade da vida e da responsabilidade que perante ela todos nós temos.

Nota: Fotografias da conferência são propriedade da Paróquia de Cascais no Facebook

segunda-feira

Joaquim Baraona e o “Auto-Analizer” do Hospital Condes de Castro Guimarães




Numa época marcada pela entropia do politicamente correcto e pelo avassalador impacto dos interesses político-eleitorais dos partidos que nos vão governando, vale a pena recordar mais uma das histórias de coragem que dão forma à História de Cascais. Em 1974, quando Cascais atravessava uma das maiores crises de sempre, um jovem e destemido Provedor da Santa Casa da Misericórdia, ousou contrariar tudo e todos e construir o hospital que considerava condigno para os Cascalenses. E fê-lo, assumindo pessoalmente as consequências, tendo em conta somente o interesse dos Cascalenses…

No início da década de 70 do século passado, o velho Hospital de Cascais, construído em 1941 com um subsídio do Fundo do Desemprego ao qual se juntou uma parte importante do legado dos Condes de Castro Guimarães e um terreno doado pelo benemérito Marques Leal Pancada, estava completamente obsoleto. Os 29000 habitantes do Cascais de 1940 tinham aumentado para cerca de 92700 em 1970 e o antigo hospital, equipado com tecnologia do período da guerra, já não conseguia dar uma resposta cabal à população Cascalense.




Paralelamente, a Santa Casa da Misericórdia que geria o equipamento, debatia-se também ela com graves problemas financeiros, facto que impossibilitava o avançar do muito ansiado projecto de construção de um hospital moderno adaptado às necessidades desta terra.

Em Abril de 1971, numa tentativa ousada para tentar resolver os problemas, é eleita uma nova direcção na Misericórdia. O novo provedor, o ainda muito jovem empresário Joaquim Baraona, assume o desafio de resolver o problema, perante o cepticismo da mais tradicional sociedade Cascalense. Depois de tomar posse, com uma firmeza a que os Cascalenses não estavam habituados, Joaquim Baraona dedica-se por inteiro a sanar os problemas financeiras que impediam o trabalho daquela importante instituição e, antes do final desse ano, faz um anúncio bombástico que deixa Cascais boaquiaberto.




Numa entrevista concedida ao jornal “A Nossa Terra” o provedor promete iniciar de imediato as obras de remodelação do velho hospital e dotá-lo da mais moderna tecnologia existente nessa época. Considerando que o que existia não era compatível com a vocação turística que Cascais vivia, Baraona menciona os avanços técnicos e científicos que a medicina havia alcançado e refere como exemplo uma máquina denominada “auto-analizer”, existente em vários hospitais Norte-Americanos que era considerada um dos mais revolucionários equipamentos do seu tempo. E, perante a estupefacção do repórter que o entrevistava, desde logo promete que o Hospital de Cascais seria o primeiro a tê-lo em Portugal!

E assim o fez! Procedendo a angariações de fundos e à captação de investimentos, o jovem provedor consegue rapidamente obter os meios para proceder à reconstrução do hospital, para o equipar com as mais modernas tecnologias e com o dito “auto-analizer” que de imediato adquiriu nos Estados Unidos.




Mas levantava-se um problema prático que o previdente provedor não tinha conseguido prever: o hospital era demasiadamente pequeno e não existia espaço físico onde se pudesse colocar este equipamento!

Mas Joaquim Baraona não desistiu. Procurando em redor do hospital espaços vazios onde fosse possível construir as instalações para montar o tão desejado “auto-analizer” encontra ali mesmo ao lado, num terreno que pertencia ao Estado e que se encontrava ocupado por um edifício onde tinha funcionado há algum tempo um posto de apoio à tuberculose, a tão desejada solução para o seu problema. Mas surpreendentemente foi muito mais fácil encontrar os meios para adquirir o equipamento do que obter as autorizações governamentais para o instalar no edifício devoluto já existente…

E uma vez mais Joaquim Baraona não esmoreceu. Com o apoio unânime da Mesa Administrativa da Misericórdia, o jovem provedor dirigiu-se ao prédio devoluto, arrombou a porta oficialmente selada e iniciou de imediato a instalação do equipamento. Como seria de esperar, as vozes críticas de sempre logo se levantaram e as ameaças surgiram imediatamente. Mas Baraona sabia que o espaço continuava legitimamente no domínio público e assim concretizou sem mais atrasos o seu projecto que contribuiu de forma imediata para uma melhoria significativa dos serviços médicos do hospital e que foi responsável pela vida de milhares de Cascalenses. O novo hospital foi inaugurado em Abril de 1974, dias antes da revolução, com a presença do Presidente da República e das mais altas individualidades do Estado e da sociedade desta terra.




Com outro provedor é mais do que certo que ainda hoje teríamos o “auto-analizer” por estrear e guardado numa arrecadação qualquer. Mas a coragem e a determinação de Joaquim Baraona foi essencial na defesa dos interesses legítimos de Cascais e dos Cascalenses, resultando numa benfeitoria que funcionou até 2010.

Porque a coragem faz parte dos genes dos verdadeiros Cascalenses…