quinta-feira

O Direito de Abortar




A encerrar o ano parlamentar, a maioria PSD/CDS-PP aprovou finalmente um conjunto de pequenas alterações à Lei do Aborto. Resultantes de uma petição apresentada na Assembleia da República por um conjunto de várias dezenas de milhares de cidadãos e intitulada “Pelo Direito a Nascer”, as mudanças superficiais agora aprovadas representam, ainda assim, um acto de coragem por parte do governo e um contributo importante e efectivo para exista justiça na sociedade portuguesa.

Fortemente contestadas por toda a oposição, que de forma radical não concebe que se possa sequer discutir livremente uma questão tão importante para o País e que tanto divide os Portugueses (note-se que o não ao aborto ganhou um dos dois referendos que se fizeram), o conjunto de medidas agora aprovadas acentuam a responsabilidade de quem pratica o aborto e procuram responder ao flagelo que representa a utilização desta prática como uma espécie de método anti-concepcional.

De facto, sem terem sequer discutido o direito a abortar, que continuará ainda a ser uma triste realidade que põe em causa o singelo e primordial direito de nascer, os deputados introduziram a obrigatoriedade de pagamento de taxas moderadores no aborto, acto de inquestionável justiça se pensarmos que um cidadão que precise de uma cirurgia da qual depende a sua própria vida, já tem de a pagar neste momento. Depois, aprovaram a obrigatoriedade de uma consulta de aconselhamento psicológico prévio a todas as mulheres que pretendem abortar, a que se seguirá, também de forma obrigatória, uma consulta de planeamento familiar depois do aborto. Estas acções, protegendo a mulher, permitem perceber as implicações daquele procedimento, evitando assim a sua banalização que todos infelizmente conhecemos. 

Olhando de forma nua e crua para o que está a acontecer, importa sublinhar que o aborto, que para não chocar a sociedade muitos teimam em continuar a chamar “interrupção voluntária da gravidez”, é tão só o acto de interromper uma vida humana ainda dentro do útero da mulher. E importa também, porque é aí que reside a nossa responsabilidade enquanto cidadãos que pugnam pela justiça e pelo direito, perceber que o dito direito a abortar que alguns defendem, implica que outros, completamente indefesos, não tenham sequer o direito a nascer.

As medidas agora aprovadas no parlamento, que nada contribuem para resolver a injustiça repugnante de não permitir a alguns que possam sequer nascer, é ainda assim um pequeno contributo para a defesa da vida e do direito a viver. 

terça-feira

O Fim da União na Europa




Não terá sido certamente por mal, até porque resulta das contingências e das naturais consequências de uma União Europeia artificial e naturalmente contrária aos interesse das várias nações que ainda a compõem, que o Presidente Francês, François Hollande, terá dado ontem a machada final na ideia de Europa que se vinha construído e impondo desde o final da II Guerra Mundial.

Num discurso chocante, que contraria todas as discussões e tratados que deram forma à União Europeia que ainda temos, assente numa putativa afirmação da soberania dos vários países que dela fazem parte e que os cépticos do europeísmo sempre disseram que era uma utopia impossível de alcançar, Hollande veio a público defender a criação de um governo europeu a seis. Na sua perspectiva, os seis países fundadores da então CEE, França, Alemanha, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Holanda deverão passar a tutelar os governos de cada um dos restantes países membros, que passam a ser seus dependentes, acabando de vez com a pouca soberania que ainda lhes resta.

Nesta opção de uma Europa a várias velocidades e tamanhos, assume-se que os fortes controlam os fracos e que os vestígios de uma pseudo-solidariedade e respeito institucional que profusamente se utilizaram para nos vender esta realidade, serão definitivamente arrumados na gaveta. A Europa das nações, que se sustentava na soberania dos países que a compunham e na sua complementaridade institucional para reforçar a competitividade de todos, já nem sequer chega a ser uma utopia, pois a federalização da Europa, com esta espécie de governo central, institucionaliza a menoridade de alguns em detrimento da soberania dos restantes.

A União Europeia morreu definitivamente com este discurso, pois ele surge como a confirmação definitiva de que os argumentos desde há décadas utilizados pelos cépticos estavam correctos.

Mas agora, com a maior parte dos países desprovidos dos meios de produção que lhes permitiriam sobreviver e crescer economicamente e que trocaram por auto-estradas, frotas de automóveis e fundos pseudo-estruturais de vária índole que foram enchendo os bolsos de vários governos pseudo-democráticos, são poucas as opções que restam aos que não desejam submeter-se à vontade dos seis grandes. Muito pouco há a fazer, a não ser que as vicissitudes que resultam da crise Grega sejam tão grandes que façam implodir o trono onde ainda se resfastelam os seis que mandam.

Em todo o caso, a união morreu às mãos de François Hollande. E ele teve, pelo menos, a coragem de dar a machadada final. 

Os Bolsos da Dívida Grega




Adiando com a barriga aquele que é o mais grave problema estrutural da União Europeia e garantindo que no permeio todos ficam bem na fotografia e aptos a enfrentar mais uma ronda de eleições internas, o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira, ou seja, o Banco Central Europeu, o FMI e a própria União Europeia, anunciaram com pompa e circunstância um empréstimo extraordinário de emergência à Grécia de mais de sete mil milhões de Euros.

E depois, como se de nada soubessem, os mesmos FMI e Banco Central Europeu, em momento diferentes para fazer render o espectáculo e os dividendos propagandísticos da sua acção, anunciaram que a Grécia havia liquidado as suas dívidas e os respectivos juros e que, por isso, estavam disponíveis para analisar um novo resgate àquele país helénico.

Esqueceram-se de explicar aos incautos Europeus, que o pagamento das ditas dívidas foi feito com o tal empréstimo de emergência concedido na véspera… ou seja, o dinheiro entrou no bolso esquerdo da Grécia e, horas depois, saiu pelo direito!

Atente-se: ao BCE a Grécia pagou 3,5 mil milhões de euros de empréstimos anteriores, aos quais acresceram mais 700 milhões em juros! E ao FMI, pagou mais 2 mil milhões de euros, aos quais juntou mais uns tantos milhões pagos ao Banco Central da Grécia.

Na prática, o que aconteceu foi que a Grécia recebeu mais um novo empréstimo virtual e fictício das instâncias internacionais, pelo qual pagou muito mais caro do que por qualquer dos anteriores (note-se que até a carne e o papel higiénico passaram a ser taxados com a taxa máxima do IVA) que imediatamente devolveu aos credores. Na perspectiva inversa, os credores entregaram à Grécia 7 mil milhões de euros que voltaram a receber logo de seguida, acrescidos de juros e de novas condições duríssimas a que uma vez mais fica sujeito o povo grego…

Os bolsos da Grécia e dos Gregos, esses continuam vazios. Mas algures depois da leva de eleições que aí vem, há-de chegar a data para um novo pagamento que o País não vai conseguir fazer, porque tem a economia condicionada externamente pelos seus credores e fica total e completamente impossibilitado de crescer. E nessa altura, para terror de todos nós, vamos voltar a ver este mesmo filme.

Que tristeza de Europa esta!


sexta-feira

"Era uma Vez em Angola" de Guilherme Valadão




Era uma Vez em Angola” é o título do primeiro romance de Guilherme Valadão. Publicado recentemente pela Bertrand, esta surpreendente incursão no mundo da ficção transporta-nos ao longo de muitos quilómetros num percurso difícil entre as cidades de Lobito e de Luanda, na Angola dos anos 40.

Com uma linguagem simples e muito acessível, Guilherme Valadão deixa transparecer a profundidade de uma história em que se sentem os laivos de memória de uma vida – da sua vida – num exercício complexo que conjuga a serenidade de quem muito fez e de quem muito faz, com a ingenuidade própria do rapazinho que dá a cara por este enredo original.

Nas páginas de “Era uma Vez em Angola”, que de uma forma quase magnética nos prendem ao destino de um João Botelho ainda muito novo mas já reflectindo os arquétipos mais profundos de um saber ancestral que se vive sem ser necessário aprender, encontramos a emoção própria do desnorte de uma criança que deambula por uma África que nos enche a boca com o pó cru que se levanta com o vento, com as paisagens inesquecíveis que só quem lá esteve sabe descrever e com os sons, sabores e aromas antiquíssimos que acompanham o devir da humanidade que desde sempre ali foi capaz de viver. Quase é possível ouvir, ao virar de cada página, os batuques das comunidades por onde João Botelho passou ou sentir no ar o estrugido do peixe cozinhado tradicionalmente… E a acompanhar a viagem, os laivos omnipresentes dos valores da família, da amizade, do amor e da honestidade profunda, suporte da narrativa onde vamos descobrindo o seu autor e redescobrindo novos ensejos que ajudam a perceber o que é viver.

As memórias que Guilherme Valadão mascara por detrás de uma história comovente, descobrem-se progressivamente à medida que a história vai trazendo à superfície os sinais incontornáveis de um conjunto de sonhos pessoais que ele não tem a capacidade de esconder. Está lá e sente-se a riquíssima experiência de vida do autor, as sólidas e estruturantes vivências da sua família e um laivo de esperança que, mesmo no desânimo, ele deixa transparecer.

Também lá está, naquilo que o autor dá a entender que é uma ponte entre os tempos e as eras, uma mensagem de futuro, transversal à herança que Valadão quer deixar aos seus netos e que neste livro partilha através de uma interessante estratégia que conjuga o passado e o futuro através de um presente que deve ser permanentemente aproveitado e sofregamente entendido como o mais importante de todos os alicerces.

Em suma, “Era uma vez em Angola” transborda de uma África vivida de forma inebriante e seduz pela ligação permanente ao autor e às memórias únicas que se vão descobrindo ao longo do enredo. É uma leitura que envolve quem nunca teve a sorte de ter vivido África e, certamente, que não deixará indiferente quem lá esteve.

O livro pode ser adquirido na Bertrand Editora AQUI ou na Wook AQUI