quarta-feira

Plano Director Municipal: Uma Estratégia de Afirmação para Cascais





por: João Aníbal Henriques

O Concelho de Cascais, situado estrategicamente num dos mais importantes locais da Área Metropolitana de Lisboa, exerceu sempre sobre os seres humanos atractivos que favoreceram a sua ocupação.Este processo, paulatino e serôdio, garantiu ao município um desenvolvimento constante que, a par com todos os seus condicionalismos naturais, acabou por transformar Cascais num dos espaços mais progressistas do País. Aqui, fruto das vicissitudes variadas atrás descritas, foi sempre possível encontrar o apogeu da modernidade, facto que consolidou a apetência natural que o espaço apresenta para receber as descobertas, fundamentando uma enorme capacidade de adaptação e desenvolvimento.

Desta forma, e de acordo com os indicadores constantes da documentação histórica, bem como dos diversos censos, levantamentos e sondagens que recentemente se têm desenvolvido em Cascais, é possível distinguir no Concelho aspectos positivos e negativos que resultam desta situação.

Em primeiro lugar, e oferecendo aos analistas a matéria necessária para a compreensão do “fenómeno” do desenvolvimento do município, Cascais foi sempre destino apetecido de todos aqueles que, alcançando uma posição social ou política relevante a nível Nacional, desejavam consolidar e perpetuar essa conquista através da angariação de uma certa posição. Este facto, que naturalmente resulta da grande proximidade de Cascais face à capital e, ao mesmo tempo, da enorme vantagem que emana da distância suficiente para que aqui, durante vários anos, fosse possível encontrar ainda a paz e o sossego que a Capital quase nunca conheceu, torna a atractividade deste espaço num chamariz constante que para aqui acaba por transportar grandes vultos que a História Nacional soube perpetuar e homenagear ao longo dos tempos.

Essas figuras de prestígio e grande relevo, situadas de forma curiosa ao longo dos diversos sectores dos muitos espectros políticos e partidários que Portugal conheceu ao longo dos últimos cem anos, assumem-se assim como os primeiros condicionantes de uma série de transformações que vão fazer de Cascais um espaço singular no contexto português.

A habitação, por exemplo, até aí caracterizada pela humildade que caracterizava também os pescadores e agricultores que viviam na Vila e no Concelho, foi obrigada a adaptar-se aos novos ocupantes, construindo-se vastos e vetustos empreendimentos que, à medida em que o tempo ia passando, iam progressivamente alterando a paisagem, a geometria, a volumetria e a memória do município.




Por outro lado, ao nível daquilo que hoje comummente se entende ser a qualidade de vida, Cascais foi sendo dotado de infra-estruturas que procuravam responder às crescentes solicitações do novos habitantes. Habituados a regalias que, nessa época, apenas existiam na capital, os novos cascalenses, através das suas influências e do génio pessoal de alguns, criaram neste local uma panóplia de inovações que também contribuíram para um progresso e para um desenvolvimento sem igual.

Em segundo lugar, e pese embora o carácter eminentemente positivo de grande parte dessas circunstâncias, que acabaram por tornar Cascais num dos Concelhos mais evoluídos do País, é fundamental fazer ressaltar o conjunto de circunstâncias menos positivas que resultaram deste facto.

A sustentabilidade estrutural, quase sempre agregada a uma pré planificação que promove um equilíbrio entre as necessidades dos habitantes e a velocidade de evolução das instituições, acabou por ser abalada de uma forma circunstancial. As necessidades efectivas daqueles que habitavam em Cascais, em cada um dos momentos da sua vasta e prolixa história, estiveram sempre além da capacidade de resposta das instituições que, ontem como hoje, trabalham e planeiam sempre as suas actividades em função de necessidades que estão já quase sempre ultrapassadas quando se torna possível a sua concretização.

A rede viária, o saneamento básico, a distribuição de água, de electricidade e de gás, a recolha de resíduos urbanos ou industriais, ou até a gestão do parque urbano do município, contrastando com o enorme apogeu da sua vida social, foi-se progressivamente degradando, facto que culminou, pouco tempo depois da revolução de Abril de 1974, com o caos que resultou do enorme número de novos habitantes que, de uma forma politicamente correcta mas completamente ineficaz, anárquica e desordenada, vieram habitar para este município.

As soluções para a vivência caótica do Concelho de Cascais, principalmente ao longo dos últimos trinta e oito anos, têm-se pautado pela resposta pronta das instituições locais. Ninguém nega, como é evidente, o esforço, o empenhamento e a audácia de quase todos aqueles que, em nome de forças partidárias díspares, têm governado Cascais nos últimos tempos. No entanto, a prontidão com que se procuraram respostas e se empreenderam soluções, mais do que imbuída da necessidade  de salvaguardar os interesses de Cascais e dos cascalenses, foi condicionada de forma evidente pelos interesses partidários municipais ou Nacionais, que, mercê do seu carácter recente e da inexperiência dos seus quadros, se viram obrigados a recorrer a experiências desenvolvidas noutras partes da Europa e do Mundo. A história recente de Portugal é assim, mais do que um período de descoberta e de desenvolvimento, um espaço no qual, de forma desajeitada e desordenada, se experimentam soluções velhas para resolver novos problemas e que, como não podia deixar de ser, se caracterizam sobretudo pela ineficácia e pelo agravamento da situações preexistentes.




A importação para Cascais de modelos evolutivos de outros locais, quase sempre sem o cuidado, e muitas vezes sem o tempo necessário à sua adequação e adaptação a realidades novas, acabou por agravar os desequilíbrios internos e, principalmente nos últimos cinco anos, começou a contribuir para o desaparecimento das riquezas naturais e das condições que, antes de aqui habitar o Homem, fizeram deste território um espaço fundamental no contexto daquilo que haveria de ser o território Nacional.

O ambiente, a economia, a assistência social, a salubridade e a governabilidade local, mais do que em partidos ou coligações que possam trazer para Cascais figuras mais ou menos preponderantes da vida política, económica ou social do País, devem encontrar respostas no seio de Cascais e dos cascalenses. A sociedade civil, como hoje teimosamente e de forma pretensiosa se procurar distanciar os governados dos governadores, deve assumir, de forma permanente e com todas as consequência de tal facto, a governação dos locais onde habita.

De facto, e atendendo principalmente ao conhecimento de causa que deve suportar as decisões institucionais, reiterando a opinião de que a actividade política, dando ênfase às suas raízes clássicas, deve representar à vontade, à necessidade e à sensibilidade dos cidadãos nas escolhas que fazem para si próprios e para aqueles com quem co-habitam, não faz sentido nenhum, neste final de século e de milénio, teimar em impor aos munícipes de qualquer Concelho de Portugal respostas que, pelas suas características, não resultem da sua própria vontade e empenhamento.




Os instrumentos de gestão urbana, pelo seu carácter abrangente e pela sua linearidade ao nível das restrições que impõem ao desenvolvimento do Concelho, são assim uma das principais respostas aos muitos problemas de desordenamento que neste momento afectam Cascais. A sua concepção e concretização, mais do que qualquer outra decisão emanada dos poderes municipais, deve ter em conta  as características próprias daqueles que vão ser abrangidos pelas suas directivas, uma vez que, caso contrário, dificilmente poderão representar os interesses e, desta forma, verdadeiramente representar aqueles que ali habitam.

O Plano Director Municipal de Cascais, que se encontra agora em fase de revisão, representa, por tudo isto, o ponto nadir na gestão urbana e política do Concelho, definindo prioridades e faseando um desenvolvimento que, a ocorrer ao ritmo da vontade discricionária, em pouco tempo acabaria por desvirtuar por completo as características próprias desta municipalidade.

O futuro, baseado nos pressupostos que a Sociedade Civil agora pode fornecer, poderá assim ser de verdadeiro progresso e desenvolvimento concertado, sinónimo de qualidade de vida e de segurança para todos ou, pelo contrário, de vil corrida ao betão, desfavorecendo e contrariando aquilo que de bom Cascais tem ainda para oferecer.



Cascais, Dezembro de 2012