quinta-feira

Memórias de Cascais na Época Medieval




por João Aníbal Henriques

Sendo certo que é geralmente difícil conhecer em profundidade as raízes medievais de uma terra ou lugar, o certo é que, naquelas em que a importância estratégica se apresenta, as menções diversas em documentação de vários géneros e a sua ligação aos mais importantes episódios da História Nacional, acabam por nos oferecer caminhos e pistas que facilitam esse reconhecimento e a compreensão dessa realidade. É esse o caso da Vila e do Concelho de Cascais.

Neste caso específico, existem variadíssimas razões para que tal aconteça. Em primeiro lugar porque, como acontece na generalidade dos casos análogos, o Castelo Medieval de Cascais teve certamente a sua origem em estruturas defensivas anteriores, muito possivelmente durante o domínio Árabe da Península Ibérica (711-1147) facto que lhe conferiu uma História longa no tempo e um assentamento humano que, prolongando-se ao longo de muitas gerações, deixa evidentemente vestígios das suas actividades. Depois, e tal como nos comprova a arqueologia, porque a generalidade destes espaços, e Cascais não foi excepção, viram-se ocupados por construções de outras origens que, principalmente em épocas de paz prolongada, iam subvertendo a sua original componente defensiva e militar, num uso de índole habitacional e doméstico. Ou seja. Reconfigurando-se o seu miolo, as estruturas defensivas originais perpectuaram-se no seio da estrutura urbana posterior e, dessa maneira, permitiram a conservação de muitos dos seus vestígios e de muitas postas sobre a forma como se organizavam anteriormente.

Cascais, de forma especial, pela proximidade ao mar e pela sua posição estratégica na guarda de Lisboa, necessitou de permanentes e profundas intervenções de manutenção e adaptação, pelo que o devir histórico das suas muralhas de foi permanentemente readaptando ao longo do tempo.

Por todas estas razões, o que muitas vezes nos resta em termos informativos relativamente a estes espaços, é uma amálgama de vestígios diversificados que não nos permite esmiuçar de forma profunda e rigorosa as origens reais e o momento do seu surgimento.

Por último, importa sublinhar que os testemunhos que subsistem dessas épocas são normalmente subvertidos por exageros, falta de isenção e, sobretudo, pela necessidade de adequação a interesses específicos que conjunturalmente afectavam a terra, as entidades oficiais, ou mesmo o próprio autor dessas palavras. A documentação, enformando desse desígnio, deverá ser, por isso, perscrutada com especial atenção, retirando delas as pistas que permitirão reinterpretar as palavras que contêm à luz do que hoje conhecemos sobre a realidade dessa época.

Em termos pictográficos, profusamente utilizados para tentar compreender a forma como Cascais existiu e evoluiu ao longo dos tempos, verifica-se ser muito difícil, devido a imprecisões diversas que a documentação apresenta, discernir aí a visão concreta sobre a realidade local. As plantas e imagens, desenhadas à mão por gente que por vezes tinha pouco apetência para as artes plásticas, condicionada pelo facto de não serem raros os casos de calques efectuados sobre outros decalques já de si portadores de diversas deficiências, tornam-se instrumento incapazes de nos apontar os dados pelos quais tanto ansiamos.

Em resumo, e salvo a possibilidade de uma eventual descoberta fortuita de nova documentação esquecida num qualquer arquivo, é praticamente impossível definir com total exactidão os contornos do que foi Cascais durante a época Medieval.

Ponto de honra é, no entanto, a certeza absoluta de que Cascais foi terra de importância extraordinária na definição do Portugal moderno. A comprová-lo, para além da relevância estratégica da sua posição de controlo da entrada na barra do Tejo e, por isso, enquanto guarda avançada de Lisboa, está a sua posse, durante este período por gente da primeira linha de fidalgos essenciais para a Casa Real. Gomes Lourenço de Avelar e, mais tarde, Henrique Manuel de Vilhena, foram ambos figuras excelsas de um Portugal ainda em afirmação no contexto de uma Europa envolvida em precariedade e, por tudo isso, são provas cabais do interesse que a Coroa dedicava a esta pequena Vila plantada junto ao mar.

A tudo isso não será estranho, até porque daí derivaram os muitos sucessos que nasceram da crise de 1383-1385, o facto de as Guerras com Castela terem aumentado a importância da Vila, tornando-a ponto fulcral na estratégica defensiva do Reino de Portugal.

As guarnições de soldados que acorreram à Vila, principalmente depois de Dom Pedro I lhe ter concedido a independência relativamente a Sintra, povoaram de forma permanente a outrora insignificante vilória, suscitando interesses complementares, ao nível do comércio e dos serviços, que condicionaram de sobremaneira a História recente de Cascais.

Cascais é, desta maneira, peça incontornável na medievalidade Portuguesa, assumindo papel de grande relevo na reformulação da pirâmide político-social Nacional. Nessa altura, como hoje, conhecer as origens da Identidade Cascalense, é perceber como é que a gestão das potencialidades deste tipo de territórios pode ser essencial na definição daquilo que somos, do que sentimos, do que fazemos e do que pensamos.