segunda-feira

Abu Zaid Abd-Ar Rhaman Ibne Mucane: O Início de uma Longa História em Alcabideche (Cascais)





Existe em Alcabideche, a escassos metros de conhecido Cascaishopping, um monumento que a muitos passa despercebido.

Composto por uma laje comemorativa com uma citação política e por duas grandes pedras colocadas na vertical, teve em tempos um idílico cenário campestre do qual sobressaíam dois dos mais antigos moinhos de vento penisulares.

O monumento, dedicado ao grande poeta Árabe Ibne Mucane, natural de Alcabideche, marca no tempo um dos mais interessante, pujantes e mal conhecidos períodos da nossa História comum: os Séculos X e XII da nossa era, e a ocupação Árabe da Península Ibérica.

Mas quem foi Abu Zaid Abd-Ar Rhaman Ibne Mucane?

Segundo as fontes, e tomando em linha de conta o que actualmente se conhece da História desta região, Ibne Mucane terá sido, o primeiro autor a cantar os moinhos de vento da Europa.

Como do conhecimento geral, quer pela tecnologia empregue, quer quer pelos recursos que eram necessários para a sua construção, quer ainda pela extrema importância que têm em termos do incentivo à produção, os moinhos de vento traduzem de sobremaneira o estado de desenvolvimento de uma regão.

A importância de Ibne Mucane está assim intimamente ligada à introdução de uma série de inovações técnicas e de novos conhecimentos na estrutura produtiva de génese rural do extremo ocidental da Península Ibérica, que a partir da chegada dos ocupantes Árabes veio influenciar de sobremaneira a vida futura de toda a Europa medieval.

Em termos práticos e imediatistas, os versos de Ibne Mucane têm, no entanto, um outro significado. Se por um lado são eles os primeiros a cantar a introdução dos moinhos de vento em solo Europeu, com todo o desenvolvimento que lhe está implícito, por outro, traduzem também a realidade político-social que se fazia sentir na zona mais rural do actual Concelho de Cascais.

A falta gritante de água e uma importante componente cerealífera na produção agrícola do concelho estão bem patentes nas palavras de Ibne Mucane:


Ó tu que vives em Alcabideche
Oxalá nunca te faltem
Nem grãos para semear,
Nem cebolas, nem abóboras.
Se és um homem de decisão
precisas de um moinho
que funcione com as nuvens
sem necessidade de regatos.


Para além desta referência directa à falta de água, que deve ter sido uma das mais prementes preocupações constante a todos os agricultores de Alcabideche, Ibne Mucane refere ainda outros problema com que se debatiam os habitantes desta zona interior do actual Município de Cascais:

A minha terra é boa... mas o mal
é que se o ano é bom, nunca dá mais do que
vinte carregos, vinte e tal de cereais.
E quanto mais promete e mais cuidados
eu lhe dispenso em sonhos mais me iludo
porque então, javalis dos despovoados
surgem famintos, e devastam tudo!


Assim, muito embora a terra não fosse de facto de muito má qualidade, os javalis que existiam nas redondezas contribuíam para a destruição das colheitas e para o consequente empobrecimento da população.

Ibne Mucane, embora possua, com o intuito de preservar a sua memória, um monumento na terra que o viu crescer, para além de uma escola com o seu nome, não é de facto um poeta conhecido, nem para os naturais de Cascais nem para todos aqueles que se interessam pelo estudo de um passado histórico que urge preservar e que nos fornece pistas essenciais para a definição da nossa memória colectiva.

Os seu versos, para além de traduzirem toda uma realidade que se encontra subjacente a um período mal conhecido em termos historiográficos, conseguem ainda trazer dados novos para a compreenão da importância real que teve a civilização Árabe no crescimento e no desenvolvimento da Europa Medieval.

Quando se fala em Árabes, pensa-se naturalmente nos topónimos iniciados com AL, esquecendo-se tantas vezes a tecnologia, os usos e costumes, e a maneira inovadora de pensar, que contribuiu decisivamente para a criação de duas maneiras distintas de encarar a existência.

Ibne Mucane, acima de tudo, merece ser lembrado como um natural de Alcabideche, que deixou atrás de si, as condições necessárias para a compreensão do período em que viveu, e cumpre a Cascais e aos seus actuais ocupantes, a tarefa de não deixar cair no esquecimento toda a essência do seu contributo.


sexta-feira

João Aníbal Veiga Henriques [1942-2010]





Conheci-o no dia 14 de Junho de 1971.

Ele não assistiu ao parto porque não teve coragem para isso, mas imagino-o lá fora, no corredor, a fumar várias dezenas de cigarros ao longo daquelas três horas, roído de nervos, mas com a confiança que a sua fé especial e colossal lhe assegurava.

Percebi de imediato que era alguém especial quando me pegou ao colo. É certo que o fez sem a segurança e a firmeza de outros colos pelos quais já tinha passado. Mas afinal eu era o primeiro filho e possivelmente o primeiro recém-nascido que lhe era colocado nos braços. Pegou-me com um Amor de tal forma intenso e incondicional que transcendia largamente a sua enorme estatura e tudo aquilo que conheci na vida daí em diante.

A primeira grande memória que tenho dele, ganha depois de horas a fio a tentar aprender a andar de bicicleta numa ruela sem saída que existia em frente de nossa casa, é a da sua mão a amparar-me o pescoço. Correu quilómetros atrás de quilómetros gritando insistentemente para eu não desistir. E conseguiu. No final do dia, quando ele já estava estafado, lá aprendi a equilibrar-me. Percebi então a sua insistência e a magia que surge associada aos pequenos momentos que dão forma à vida. Aprendi não só a andar de bicicleta mas também a gozar cada momento, cada instante, cada milímetro de paisagem e cada laivo de sabor que a vida nos oferece.

Tinha pouco mais de dois anos nessa altura, mas daí em diante fez-se luz na minha mente, e eu senti no mais profundo pedacinho da minha Alma a sorte que tinha em poder crescer com ele. Nesse mesmo dia, com a desfaçatez que só as crianças podem ter mas também com a certeza absoluta que acerca disso carrego até hoje, chamei-o à sala e expliquei-lhe que não podia continuar a chamar-lhe a mesma coisa que todas as outras crianças chamavam aos seus pais. Comuniquei-lhe, sem lhe dar sequer a possibilidade de contrapor o que quer que fosse, que a partir desse dia lhe chamaria ‘Zito’. Porque queria que ele tivesse um nome só dele e sobretudo queria que esse mesmo nome estivesse à altura da figura extraordinária que eu pressentia.

O Zito acompanhou-me desde então para desespero de alguns familiares e perante as críticas de quase todos. Como era possível que deixassem a criança chamar-lhe isso? Mas ele ouvia sempre o seu novo nome com um sorriso nos lábios, e entendia, possivelmente daquela forma profunda e sentida que o nosso exíguo cérebro não consegue abarcar, o amor radical que eu lhe associava. O Zito levou-me à escola no primeiro dia; o Zito levou-me a passear numa velha traineira de pesca pelas águas revoltas do Cabo Raso; o Zito levou-me a trepar os montes e as escarpas da Serra de Sintra, sempre a ouvir as histórias e as lendas que ele pesquisava para me transmitir; o Zito ensinou-me a rastejas nas grutas e nos subterrâneos mais enigmáticos; foi ele quem me ensinou a distinguir as rochas e os cristais, e a perceber como crescem as árvores e as plantas; foi ele que me mostrou as marés e me ensinou até onde nos pode levar o oceano; o Zito levou-me a quase todos os sítios especiais que conheci até hoje.

Anos mais tarde, depois de um acidente grave que me obrigou a dormir ininterruptamente durante mais de uma semana, foi a mão dele a primeira coisa que senti quando despertei. Diziam-lhe que as possibilidades eram poucas; que ele devia ir descansar; que não valia a pena. Mas ele sabia que valia e esteve ali, dia e noite durante todo aquele tempo. E foi o calor da sua mão, e novamente aquela entrega extraordinária com que ele vivia a relação com todos aqueles que o rodeavam, que me trouxeram de volta à vida.

Extasiei-me anos a fio com a sua habilidade. Com cada um dos traços de todos os esboços que fazia antes de se abalançar na pintura de mais um quadro ou na escultura de uma nova peça. Guardei-os a todos como as mais preciosas obras de arte que este Mundo jamais conheceu. E inchei de orgulho quando, em 1980, foi o seu ‘Camões’ que encabeçou as cerimónias de inauguração do largo com o mesmo nome no coração da nossa terra.

Faz agora precisamente dez anos, em Março de 2000, fizemos juntos a nossa última peregrinação a pé até Fátima. Já adulto, procurou gastar cada segundo para perceber até que ponto tinha germinado a sua semente. Falámos do Universo estonteantemente grande e da infinitude sublime da matéria. Perdemo-nos algures naquela linha ténue de fronteira onde a realidade se confunde com a imaginação, e na qual florescem os sonhos que condicionam o devir da vida. Explicou-me com muito cuidado qual é a importância que a matéria tem no nosso crescimento, e a diferença que existe entre aquilo que somos, o que criamos e a essência sagrada que verdadeiramente nos impulsiona na vida. Partilhámos silêncios profundos e longos, e ladainhas que nos ajudaram a transpor as dificuldades sentidas num caminho difícil.

A partir daí já só conseguimos viajar de carro. Mas continuámos a percorrer Portugal de lés-a-lés. Estivemos na Estrela ainda há pouco tempo, e atravessámos juntos toda a vastidão da planície do Alentejo. Com ele penei os quase 50ºC do Fundão e os contrastes frescos da Gardunha. Deliciámo-nos com os petiscos únicos da vetusta Braga e com as sopas únicas do muito nosso Ribatejo. Subimos e descemos os montes e vales da Beira, e partilhámos do deleite das gentes de Cabrum e Água d’Alte, ao mesmo tempo que explorávamos os segredos para sempre perdidos da Cardiga e do tesouro de alma que os Templários morreram a defender.

Para a Primavera que agora vai chegar planeáramos uma última peregrinação… íamos finalmente a Santiago de Compostela depois de anos a fio de mapas, roteiros, pesquisas e muito estudo sobre o assunto. Disse-me há algumas semanas atrás, com semblante profundamente triste, que achava que já não conseguiria ir a pé comigo desta vez. Talvez já só conseguisse acompanhar-me no carro de apoio.

Já não teve tempo. Partiu de forma rápida no final do último mês de Janeiro. Enquanto eu estiver vivo, ele estará vivo também. Em cada decisão, em cada pensamento, em cada conversa, em cada página escrita, em cada projecto, em cada ideia. Porque as coisas que sei fazer são obra dele.

Era o meu pai. Tinha 67 anos.

segunda-feira

José Carlos Santanita Eleito Escanção do Ano





O escanção José Carlos Santanita foi galardoado com o título de "Escanção do Ano" pela Revista de Vinhos e recebeu o respectivo prémio concedido pelo Comendador Rui Nabeiro.

A cerimónia de entrega deste importante galardão, que marca de forma perene o reconhecimento da entrega de José Santanita àquele que é um dos mais importantes sectores empresariais Portugueses, aconteceu na Praça de Touros do Campo Pequeno, durante um jantar que reuniu cerca de 900 pessoas.

José Carlos Santanita está desde tenra idade no mundo da hotelaria e da restauração. Começou chefe de sala em várias unidades hoteleiras e restaurantes de grande qualidade no Alentejo e, mais tarde, tornou-se no primeiro escanção da Herdade do Esporão (Reguengos de Monsaraz), local onde também deu formação à equipa de Enoturismo.

José Santanita é bem conhecido pelo seu dom da palavra e pela enorme capacidade em transmitir conhecimento. Consegue entusiasmar plateias com o seu discurso e com os seus ensinamentos, que têm sempre como objectivo último permitir que cada um retire o máximo de prazer de um copo de vinho...

Actualmente e com o apoio de Sílvia Cardoso, José Santanita dá forma a um projecto aromático e saboroso na Adega das Mouras, em Arraiolos. A Wine Academy Portugal, empresa que tem a Educação Vínica como instrumento principal, dedica-se à promoção Nacional e internacional dos melhores vinhos Portugueses.

Este galardão, que se afigura de extraordinária importância por reconhecer o esforço, a dedicação e a qualidade que José Carlos Santanita empresta ao seu trabalho, é também um marco no reconhecimento da enologia e da gastronomia como instrumentos de suporte à requalificação do Turismo de Portugal, na senda da criação de uma oferta que conjugue os aromas, os sabores e as cores que dão forma à eno-gastronomia com tudo o mais que o nosso País tem para oferecer.

Os nossos sinceros parabéns ao José Carlos Santanita!