terça-feira

Tomar: Para Cumprir Portugal...






por: João Aníbal Henriques

Muitas vezes a realidade subverte-se… as paredes de pedra, sólidas na sua concretização, deixam antever as fraquezas e as inconsistências das muitas estórias que as envolvem… a patine do tempo, negra pelas agruras que lhe impõe o devir e as pessoas, transforma-se numa moldura que tolhe o próprio olhar…

Em Tomar é isto que acontece… um espaço mítico e místico que absorve as centelhas de luz num impasse que urge desvendar… cantos e recantos por onde passaram olhares… nichos e pormenores com os quais necessariamente temos de contar…

As salas, corredores e deambulatórios, prenhes de memórias que a Humanidade impõe, são como livros abertos para quem os quiser decifrar.

Mas cada olhar; cada perspectiva; cada vislumbre de Tomar é único… porque únicos foram também os episódios que por aqui se sucederam… são sinónimo de abordagens, quimeras de sonhos não cumpridos e… caminhos novos que cabe aos nossos pés trilhar…

Emoções à flor da pele. Emoções que nos toldam os sentidos e que nos transformam a fronte. Emoções difíceis de compreender, e quase impossíveis de interpretar.

Tomar… a cidade onde o Nabão enfatiza estados de Alma… onde cada curva agoniza perante as promessas que nascem do cruzamento do horizonte amplo e das necessidades do Homem. Tomar… o espaço onde as naus se plantam perante o olhar impávido dos monstrengos que nada temem enfrentar… Tomar… o enclave de saber (de saberes) conjugando sabedorias ancestrais… Tomar… cadinho onde os mistérios se desvendam, gerando pistas, possibilidades e esperanças que o Homem está condenado a enfrentar…

O Mundo não seria o que é hoje sem esta sala em Tomar…

O espaço, as coisas e os outros, emaranhados numa teia de interesses, vão-se formando, aqui, muito devagar…

Falamos de memórias… daquilo que ao longe vamos sentindo como diferente… falamos de respeito pelo alternativo, pelo outro, e de uma profunda vontade de abraçar… a cultura, a abordagem ao Universo… a capacidade de pensar.

Tomar é um cadinho… um recipiente bem cheio de tudo o que existe no ar… conjuga saberes, perspectivas, realidades e emoções em sonhos… sonhos comuns onde a força impera… sonhos com a capacidade de se concretizar…

Como se ao longe se ouvissem as ondas do mar…


E cumpriu-se Portugal… num Mundo enorme, diferente, assustador…

Enfrentando o mar e o desconhecido com a força que nasceu da sua História…

A cruz enrolou-se a o Templo abriu as portas a Cristo… cumprindo a profecia… contrariando a vontade geral.

E Portugal fez-se em Tomar… nas paredes avoengas de um castelo antigo… nas vicissitudes várias que a política lhe impôs.

Mestre Gualdim escolheu o local…marcou com o seu ferro o espaço telúrico onde tudo deveria fazer-se… e sonhou… com um Mundo novo onde se cruzassem saberes… e sabores… como se tudo fosse um vasto Portugal…

Estávamos em Março… no dia 1… no primeiro dia do resto de toda a História de uma Nação… num Século XII marcado pelas guerras, pelo sangue, pelas agruras do destino… num tempo em que o dia-a-dia dependia de uma côdea de pão… numa época em que tudo isso dependia de uma paz impossível de conquistar…

Por detrás, memórias antigas dos que já cá estiveram… pedras marcadas pelas mãos de outrem… Romanos? Muçulmanos? Ninguém sabe bem, embora se sinta no ar o embaraço dessa união…

O espaços são o que são independentemente das pessoas, ou melhor, daquilo que deles as pessoas fazem… são eternos, imortais, como os deuses… e tingem de perenidade o carácter efémero dos que agora cá estão…

Somos mais uns… unicamente algo mais para juntar ao que já foi… uma pitada de nada comparada com o que há-de vir… a sombra diáfana de um convencimento vil que é, afinal, a própria essência do viver…

Muitos chegam, mexem, transformam, alteram, marcam com a sua força procurando sofregamente o eterno… que não existe em nós… nem neles…

Tocam-se à força nos espaços sagrados (que o são) de um espaço onde o mito se conjuga com o rito e onde a repetição é sinónimo de saber… são séculos e séculos do mesmo… de capacidades e de discernimentos… de milénios de suspiros que deixam marcas no tempo….

São pré-existências que nos provam quem é importante… o que é importante! Que nos dizem quem somos, de onde vimos, para onde vamos e… tudo aquilo que queremos saber.

Na charola… naquele espaço circular onde todo o Universo parece caber… onde ressoam os cascos velhos dos que já cá não estão… mas onde ainda sentimos as lamúrias dos que teimam em lutar para viver…

É Jerusalém em peso que faz dobrar a coluna e levantar o chapéu… é a repetição nano-temporal que nos transporta para a modernidade da ciência… é perceber, sem o saber, que as pedras têm memórias… e que os Homens (sobretudo) as conseguem ler…

O Santo Sepulcro é um espaço de sofrimento. É claro!... é um espaço de dúvida, de dúvida permanente, persistente e muito real… é o espaço onde a salvação se confunde com a Morte, e onde esta abre caminho ao céu…

E Tomar é, em suma, tudo isto.

Tomar são os sonhos de romanos e de celtiberos… os anseios dos árabes… as doutrinas de fé Templária e Cristo… sempre Cristo… com a força de todo o seu Ser.

Tomar é a cruz em movimento… o arfar do vento no velame dos navios.

Tomar é a própria doutrina do Homem, a Tradição das Idades, o espaço que, existindo, permitiu o acontecer… e aconteceu! Aconteceu aqui! Aconteceu agora, ou melhor… há muito tempo! Vai acontecer ainda! Quer queiramos quer não!

Tomar é a essência alquímica de Portugal. O templo interior onde se nasce por missão… o espaço onde por castigo temos de viver.

Tomar é a opção… o livre arbítrio… o reinado do Espírito sobre a forma, e desta sobre a matéria.

O Mundo que hoje temos nasceu aqui… em torno desta mesa, neste mesmo espaço onde nos sentamos… em torno de caras como as nossas… necessidades como as que temos… sonhos como os que alimentamos e com os quais nos entorpecemos.

Queremos mais. Porque Portugal está vivo. Porque a força não se destrói.

Queremos Camões nestas paredes! Camões nas águas de um Nabão que sonha com o mar, desde Tomar o antevendo. Queremos Pessoa, com todos os seus! Cabiam aqui… todos… neste refeitório!

Portugal está por fazer. É um País único! Rico! Extraordinário e insubstituível! É um País onde os sonhos se fazem de História… de História que se acotovela nos sonhos dos que cá estão… de estórias que são vida e que dão vida a quem por ela anseia…

Vamos cumprir Portugal. Vamos sentir um País que é nosso. Vamos suspirar em todo o património que temos… transbordante de História, de estórias de… vida.

Vamos cumprir Portugal. Vamos mostrá-lo. Não aceitemos calar quem somos e o que temos.

Vamos cumprir Portugal. Vamos viver.

domingo

Heróis por Portugal





por: João Aníbal Henriques

Contrariando uma época insólita que Portugal está atravessar, na qual a tónica Nacional (ao contrário do que sempre aconteceu na História Nacional) é colocada no Ter e não, como sempre foi, no Ser, partiram esta semana para a China os atletas que vão representar o País nos Jogos Paraolímpicos.

A comitiva Portuguesa, ao contrário do que aconteceu com muitos dos participaram na comitiva dos Jogos Olímpicos, parte cheia de pretensões e com aspiração elevada em termos de resultados.

A expectativa, mais do que nos rankings mundiais, nos quais, assim mesmo, os atletas Portugueses estão genericamente bem (e muito bem) classificados, centra-se quase em exclusivo no esforço extremo, na dedicação absoluta e no brio que todos (atletas, treinadores e acompanhantes) levam consigo. O motivo para tal, uma vez mais dando lições de desportivismo aos que já chegaram, é simples de perceber: deram tudo o que podiam e estão convictos de que farão o seu melhor quando começarem a competir. E isso, no que ao desporto Nacional concerne, é por si só uma vitória expressiva e extraordinária para o País.

Tal como nos Jogos Olímpicos, nos Paraolímpicos só participam os melhores. Estar colocado a esse nível, e ter a oportunidade de ali competir, é por si só sinónimo de uma qualidade que dignifica o atleta e Portugal. Os resultados, que ainda para mais estes atletas estão habituados a alcançar, são de somenos importância face ao orgulho que Portugal sente em ter esta gente a assumir a responsabilidade e o desafio de representar a Nação.

As histórias de vida; os percalços do dia-a-dia; as vicissitudes do destino; e as dificuldades que acompanham a preparação e a competição, foram inexoravelmente maiores para estes atletas do que para a maioria de nós. E eles, contrariando o destino e as curvas inóspitas da vida, ultrapassaram-se a si próprios e conquistaram batalhas que para a generalidade dos Portugueses parecem impossíveis de alcançar.

Por outro lado, na sua vida profissional, é notório o sucesso que caracteriza a vida de quase todos. De médicos a arquitectos, passando por profissões física e intelectualmente exigentes e desgastantes, os atletas paraolímpicos Portugueses formam uma equipa de qualidade incontornável, na qual a dedicação e o esforço (no caso deles duplicado pelos problemas que enfrentam) são marca perene que consolida ainda mais as conquistas que lograram alcançar.

O terem ido a Pequim e o estarem lá; tudo aquilo que isso significa em termos de investimento pessoal de cada um deles; e a postura honrada, confiante e plena de brio com que lá estão; são motivos de sobra para o grande orgulho que Portugal sente.

Apesar de desconsiderados face aos primeiros, nos quais deviam estar integrados, os Jogos Paraolímpicos são necessariamente o supra-sumo do desporto Mundial! Porque como nos outros, estão lá os melhores, os mais esforçados, e aqueles que, com o seu trabalho e espírito superaram a condição Humana à qual todos estamos sujeitos e os obstáculos que a vida lhe trouxe.

Ao fazerem isso, assumem condição de heróis, como acontecia com os cidadãos da Grécia antiga que triunfavam nas Olimpíadas…

Merecem, por tudo isso, o apoio, o tributo e a gratidão de Portugal.


sábado

Cascais em Mudança...






por: João Aníbal Henriques

Em Cascais já nada é como dantes…

A frase, repetida de forma permanente e insistente em todos os becos e vielas da Vila, quase sempre associada à negatividade de um dia-a-dia emaranhado na crise e nas dificuldades que afectam transversalmente quase todos os sectores de actividade, tem sido apanágio permanente de Cascais ao longo dos últimos anos, deixando no ar a forma natural e automática como o devir social consegue avaliar a actuação dos organismos responsáveis pela gestão do município.

No entanto, e contrariando uma tendência que se iniciou com o princípio da década de 90 do Século XX, a frase voltou agora a Cascais com uma nova pujança e um sentido diferente…

É verdade! Em 2008, nos mesmos becos, vielas e lojinhas de bairro; por parte de comerciantes, empresários, e profissionais liberais; nos balcões dos cafés e até nos corredores inóspitos das grandes superfícies; voltou a ouvir-se de forma insistente e permanente a célebre frase: já nada é como dantes…

Mas neste ano especial, e com um Verão nem sequer muito quente; com um clima geral de crise e insatisfação de âmbito Nacional e internacional; e com um sentimento de insegurança e de impunidade que grassa de forma dramática em Portugal; em Cascais parece que tudo voltou a mudar. Há animação nas ruas; há restaurantes cheios; há exposições, debates, colóquios e cursos livres cheios de participantes; há passeios pedestres e autocarros, bicicletas, e trotinetes a encher a ciclovia; há concertos de Verão, e fogo de artifício no ar.

Em Junho, no Dia 13, a Procissão de Santo António voltou a encher as ruas da Vila, e em Agosto, no dia 29, foi Nossa Senhora dos Navegantes que, como há três Séculos atrás, encheu de devoção as traineiras e demais embarcações cascalenses, que se apinharam de gente que, com os andores, foi ao mar.

E por todo o lado sente-se Cascais a acordar da letargia perigosa e da crise profunda que estava a atravessar.

É claro que o fulgor da construção inusitada continua a fazer-se sentir. Durante muito anos, enquanto os projectos anteriormente aprovados não se esgotarem, continuaremos a ver aparecer os mamarrachos que enriqueceram uns e destruíram a fácies de um espaço sem igual. Também é verdade que a descaracterização ainda impera, num Concelho dicotomicamente marcado por um litoral profundamente cosmopolita e activo, e por um interior terceiro mundista onde quase tudo é de génese ilegal. Sendo também verdade que o novo hospital aguarda desde 1974 a cerimónia de inauguração.

Mas do outro lado da moeda, as bibliotecas nascem, pela primeira vez, no interior do Concelho e as escolas, juntas de freguesia e centros de saúde vão sendo alvo de acções de requalificação como nunca existiram em Cascais.

É uma mudança geracional, e serão necessárias mais duas décadas para que se concretize totalmente. Mas o lançamento das sementes está a ser feito, e Cascais vai-se alterando.

Mesmo quem não é de Cascais e se habituou a visitar a Vila ao longo dos últimos anos para participar nas acções que persistentemente continuaram a concretizar-se, percebeu neste ano a diferença. É qualquer coisa no ar que se transmite ao sorriso dos locais, um misto de alegria e satisfação que deixa antever o conforto de aqui morar. É um glamour inexplicável que os turistas sentem e que os faz apreciar o tempo que aqui vão estar. É qualquer coisa que já não se sentia há mais de 18 anos, e que agora obriga a repetir a frase…

Em Cascais, uma vez mais, nada é como dantes!

segunda-feira

Sporting, Benfica e Porto: O Futebol e o Estado Português





por: João Aníbal Henriques

Por ser considerado um jogo “de risco elevado” a Polícia de Segurança Pública destacou cerda de 590 agentes para acompanharem o jogo de futebol entre o Benfica e o Futebol Clube do Porto.

A festa, como lhe chamam os apreciadores, poderia ser estragada pela intempestivos ataques de fúria dos adeptos que, para além de colocarem em risco a sua própria segurança, ainda ameaçavam a segurança dos transeuntes, dos restantes espectadores e de todos os locais que faziam parte do percurso que as claques utilizariam até chegar ao estádio.

Esta situação, comum nos dias que correm, coloca-nos dois problemas graves que põem em causa o próprio equilíbrio social Português: em primeiro lugar, e dado tratar-se de uma competição desportiva, anulam de imediato tudo aquilo que de positivo o desporto e a competição deveriam promover. A convivência, o fair-play, a animação e a descontracção, dão lugar a autênticas batalhas campais e a sinais de selvajaria que são intoleráveis num Estado de Direito. São, por isso, intoleráveis. Em segundo lugar, e num momento em que (infelizmente) Portugal tem vindo a atravessar um período negro devido à onda de criminalidade que tem vindo a grassar, obviamente relacionada com a inexistência de meios policiais suficientes para darem conta do recado, parece absurdo que 590 agentes tenham sido destacados para darem conta da falta de civismo num jogo de futebol. E isso é, obviamente, intolerável.

Sem nada contra o futebol, que poderá ser, de forma óbvia e evidente, um entretenimento saudável para quem o apreciar, parece-nos totalmente inconcebível que o Estado permita a existência de claques organizadas em torno de valores não desportivos, e que, pela sua prática, obrigam à utilização de contigentes polícias desta envergadura para as controlar. Intolerável e inaceitável é ainda o facto de, para além de se auto-mutilarem e de, dessa maneira, destruírem a substância positiva que o futebol deveria promover, procederem da mesma forma perante o espaço público que atravessam para chegar aos estádios, o mobiliário urbano que pertence a todos os Portugueses, e os incautos concidadãos que tenham a infelicidade de com eles se cruzarem ao longo do trajecto.

Quem procede dessa forma, seja de que clube for; seja qual for a sua região de origem; Nacionalidade; tom de pele ou língua utilizada; deve ser preso. Pura e simplesmente. É para isso que, todos os meses e com aumentos exponenciais ao longo dos últimos anos, todos nós, cidadãos cumpridores, pagamos ao Estado. Para zelar pela ordem pública e pela segurança dos cidadãos.

Mas isso não se faz através da utilização de 590 agentes para acompanharem um jogo. Sobretudo se esses agentes são necessários para garantir o cumprimento das suas missões noutros espaços, áreas, regiões e actividades.

E para compreender esta lógicas e as prioridades policiais do passado fim-de-semana, só existem duas possibilidades: ou temos 590 agentes a mais nas forças de segurança Portuguesas (que não nos parece) e então vale mais despedi-los e com o dinheiro que se poupa investir noutras formas de garantir segurança; ou foram retirados a áreas onde fazem falta, e isso, mais do que qualquer outra coisa, é profundamente injusto para todos os cidadãos pagantes que ficaram impedidos de usufruir desse serviço.

Para concluir, o futebol é (tem de ser) uma festa. O futebol tem de ser fruído em segurança total e absoluta, e deverá acontecer dentro dos parâmetros da Lei.

Se assim não for, a única solução é proibi-lo. Interditar as claques que o não saibam ser; interditar os estádios que não possuam meios que permitam garantir esse princípio; extinguir os clubes que não sejam capazes de controlar as claques que conspurcam o seu nome e destroem a imagem de Portugal.

É que, conforme se vê nas notícias que permanentemente preenchem a comunicação social Nacional, o futebol é o único sector de actividade onde não falta dinheiro. E não faltando dinheiro, falta com toda a certeza vontade e coragem para pôr na ordem aquilo que em seu torno se passa.


quinta-feira

Portugal e as Nacionalidades no Cáucaso






por: João Aníbal Henriques

Num Mundo como aquele em que vivemos, marcado cada vez mais pela incerteza de cunho político-cultural, faz cada vez mais sentido conhecer, analisar e tirar lições do (mesmo assim) equilibrado e seguro Devir Histórico de Portugal.

De facto, com a crise no Cáucaso na ordem do dia, e um crescente sentimento de regresso à bipolarização entre um Ocidente e um Oriente que, ao contrário do que sucedeu durante a Guerra Fria, se caracteriza muito mais pela proximidade e pelas semelhanças do que pelas diferenças, facilmente se verifica que a segurança do dia-a-dia e o bem-estar dos cidadãos não depende nem de extremismos políticos, nem tão pouco de condições económicas. Mais do que esses factores, hoje praticamente inquestionáveis por não haver no Mundo nenhuma grande potência com posições radicais como outrora, nem vicissitudes económicas que coloquem em risco as necessidades básicas da população, é actualmente a essência cultural das comunidades que determina os antagonismos que promovem os conflitos.

O período conturbado que atravessamos, que os analistas mesmo internacionalmente qualificam como difícil e de consequências imprevisíveis, resulta assim de factores externos às necessidades de índole económico-financeira, que se transformam em motivações políticas sendo, desta forma, muito mais consequências directas do que causas para o descalabro que se instalou.

No recente episódio do reconhecimento da independência dos dois territórios georgianos, a decisão unilateral russa comunicada pelo Presidente Medvedev, trás consigo o reconhecimento de posicionamentos políticos que transcendem largamente aquilo que até este momento tem sido o status quo instituído internacionalmente. Por um lado, ao reconhecer a independência dos novos Países, a Rússia afronta directamente a Comunidade Internacional e as Nações Unidas, sabendo de antemão que daí resultará um processo de choque e de cisão que parece ser assumido e previamente planeado, de forma a que o Ocidente, mesmo que desejasse faze-lo de outra forma, se veja constrangido a agir dessa maneira; por outro, e no que ao Oriente diz respeito, a Rússia constrange os seus mais importantes parceiros (nomeadamente a cada vez mais agigantada China) a assumir posições internacionais que vão comprometer o processo de homogeneização político-cultural que o Mundo tem estado a sentir, e que foi bem visível, por exemplo, nos recentes Jogos Olímpicos de Pequim.

Por detrás de todo este imbróglio, como facilmente se compreende, estão completamente perdidas as populações da Geórgia, da Ossétia e da Abkázia, às quais, ao longo do processo mediático que tem envolvido os muitos episódios que nos têm chegado, pouca ou nenhuma importância tem sido dispensada.

Mas a principal peça do jogo está precisamente aí, perdida no meio dos muitos pretextos que foram utilizados por todas as partes para avançar com o processo e para, sem nenhum respeito pelo sofrimento das populações, pura e simplesmente utilizar aqueles territórios como cenários-fantoches onde se movem interesses e interessados de várias índole.

É que, contrariamente ao que acontece em Terras Lusas, todo o território do Cáucaso está pejado de nacionalidades… Algumas, caracterizadas por profundas e coesas raízes culturais; outras com meros laivos de cariz religioso; mas todas com a força que advém de uma situação que permite ultrapassar incólumes vicissitudes diversas e mesmo períodos longos e sombrios de hibernação.

No Cáucaso como nos Balcãs, existem Nações que transcendem os Países que a História se encarregou de formar; existem nacionalidades que extravasam os factores de índole económico e financeiro; existem comunidades que não se revêem nos seus passaportes… E quando Nacionalidades existem, por muito que pese o clamor das armas e o poderio militar, não há forma de as aniquilar.

As nacionalidades são independentes de partidos, de regimes políticos e de constrangimentos conjunturais; são factores perenes que conjugam a herança genética de comunidades, misturando a História com as histórias, o colectivo com o particular, e as necessidades e sentimentos de cada um num enorme crivo de índole global.

Não compreender esta essência, e não a utilizar para enquadrar, contextualizar e conhecer o que se passa no Mundo, é condenar as decisões que se tomam (sejam elas quais forem) ao fracasso, sabendo de antemão que, na melhor das hipóteses, se conseguirá atrasar um pouco a(s) reacção(ões) que indubitavelmente irão deflagrar.

E é neste aspecto, tecnicamente essencial para o futuro do Mundo em que vivemos, que surge Portugal. Um País com 865 anos de História, mas uma Nação consolidada em torno de milhares de anos de uma vivência comum, na qual tolerância, respeito pelas minorias, capacidade de integrar, cosmopolitismo e profunda heterodoxia, marcam de forma indelével a existência e o sustento da sua comunidade.

Numa Europa marcada pela incerteza e num Mundo marcado pelo medo, existem factores perenes que importa identificar, conhecer e potencializar, e o Nacionalismo Português, longe dos significados xenófobos e racistas que alguns mal intencionados (e pouco informados) lhe querem associar, é pedra basilar.

Assim exista vontade, capacidade e interesse de quem dizem que nos governa, para agir em conformidade e para respeitar a essência de Portugal.

terça-feira

Portugal e o Desporto





Por: João Aníbal Henriques

Foi em clima de apoteose, quase uma semana depois da onda de descalabro e de revolta que se instalou no País quando Naide Gomes perdeu a possibilidade de sair medalhada de Pequim, que a comitiva Olímpica Portuguesa chegou a Lisboa.

As declarações do Presidente do Comité Olímpico (o mesmo que dias antes havia assumido pessoalmente o completo falhanço e o abandono daquele organismo) impavam de orgulho pelos “melhores resultados de sempre alcançados em jogos olímpicos”…

De imediato, quando questionado sobre o anúncio do abandono feito em Pequim, o responsável apressa-se a dizer que é o seu enorme amor à causa que o impeliu ao anúncio irreflectido que fez. E que, para além de os resultados extraordinários alcançados o terem obrigado a repensar a decisão, eram também eles suficientes para que dali resultasse uma possível recandidatura ao cargo nas eleições que se avizinham.

As televisões e demais órgãos de comunicação social que ouviam o dito senhor, registando as palavras e a satisfação latente por tudo o que foi feito na China, nada mais conseguiram fazer do que aquilo que de facto fizeram… silêncio absoluto sobre o assunto!... e nem sequer acusaram o espanto que deveria resultar deste episódio.

Mas, se pensarmos bem, que mais haveria para dizer? Nada, como é evidente…

É que, desde o princípio, quando o desastrado Secretário de Estado adjectivou como débil a participação Portuguesa nos jogos, nos quais o Estado, ao longo dos últimos quatro anos investiu cerca de 14 milhões de Euros que pertencem a todos os Portugueses, todo o processo ficou marcado pela incoerência e pelo absurdo, não sendo possível agora sequer vacilar perante mais este episódio caricato da Portugalidade.

O desporto, na sua essência, e os Jogos Olímpicos em particular, são o apelo mais sublime a alguns dos valores que a sociedade ocidental, de essência humanista, procura implantar. O desapego aos resultados, e a tónica colocada no esforço, na determinação, na pujança, no brio, no respeito pelo próximo, e na honra em participar, deveriam ser (de forma inquestionável) as principais linhas balizadoras da participação de Portugal neste importante evento Mundial.

Portugal, como o infeliz Secretário de Estado terá pensado mas não terá conseguido dizer de forma aceitável, não pode ter a veleidade de entrar nestes eventos com o objectivo único de ganhar. De facto, e infelizmente, temos uma política educativa e desportiva miserável, marcada por um sistema onde não existem condições para que os Portugueses mais aptos possam profissionalizar-se. Temos falta de infra-estruturas, de meios humanos e técnicos, de saber e de capacidade organizativa… Não temos, por outro lado, dinheiro suficiente para transformar a participação nuns jogos destes num mega desígnio Nacional, nem tão pouco temos a possibilidade de massificar nos próximos anos (pelo menos enquanto se continuarem a fazer sentir as consequências de uma revolução de mote ainda pouco definido – e ainda temos muitos anos de sofrimento pela frente até isso acontecer…) a prática do desporto de qualidade nas nossas escolas.

Desta forma, e como a generalidade dos Portugueses não tem acesso à educação desportiva, são muito poucos aqueles que usufruem da possibilidade de serem identificados como potenciais campeões e de, com essa identificação, poderem ser alvo de um investimento estatal que dê frutos para o País.

Dependemos, por isso, única e exclusivamente da sorte (como tem acontecido amiúde ao longo da nossa História), e das capacidades extraordinárias de uns tantos que, pese embora as dificuldades inenarráveis com que se deparam no seu devir quotidiano, conseguem transcender-se e treinar, rentabilizando as enormes potencialidades que possuem e afirmando-se nas suas áreas desportivas de eleição. Felizmente para Portugal, que já se sabe que não conta, não contou nem certamente contará ao longo dos próximos anos com governantes capazes de governar, são muito e bons os exemplos de campeões que conseguiram afirmar-se dessa forma e que levaram bem longe o nome, o valor e a essência de Portugal.

A todos eles o País deve estar grato pela missão impossível que cumpriram.

Em desideratos desta monta, quando a afirmação Nacional é essencial, devemos ter a dignidade e a força de assumir os desafios e de, com o apoio inequívoco de todos, contribuir para que o brio, a responsabilidade, a perseverança, e o trabalho daqueles que vão aos jogos representar o País seja sinónimo de orgulho para Portugal.

Não precisamos de responsáveis titubeantes que prometem medalhas e negoceiam apoios financeiros com Governos poucos aptos a compreender os desígnios Nacionais; não necessitamos de desportistas que fazem o favor a Portugal de ir aos jogos pelos 1500,00 € que o Estado lhes paga por mês para se prepararem; não queremos atletas que assumem debilidades que não possuem e que colocam em costas alheias as razões dos seus desaires…

Mas necessitamos avidamente de Portugueses com orgulho de representarem Portugal, com a capacidade de assumirem quem são e o que fazem; e com vontade de chegar ao fim de cabeça erguida sabendo que deram o melhor pelo País. Nesses, nós que ficamos por cá, encontramos sempre, e independentemente do lugar que ocuparam no pódio, motivo de orgulho e de reconhecimento. Desses, no meio de uma plêiade de heróis, destacam-se uns tantos que se transcendem e ao próprio País e que trazem consigo as cobiçadas medalhas que os responsáveis tantos desejam.

Vamos ver agora o que acontecerá com o grupo de heróis que representará Portugal nos Jogos Para Olímpicos…

quinta-feira

O Estado "Débil" de Portugal...





por: João Aníbal Henriques

A menos de uma semana do início de mais uma edição dos Jogos Olímpicos, vem a público um representante do Governo Português dizer que “os jogos são uma tremenda aventura para um País débil como Portugal”.

A inóspita afirmação, que todos julgam ter sido feita com a melhor das intenções, enaltecendo o valor dos atletas Portugueses que, como se sabe, têm poucas ou nenhumas condições para prepararem a sua participação em eventos desta dimensão, representa um lapso linguístico que, para além de indesculpável do ponto de vista da responsabilidade do Estado, mostra bem a despreparação, o desentendimento e a total incapacidade que o sistema político Português possui para conhecer e compreender Portugal.

É que, apesar de “débil”, foi o Estado Português quem investiu muito dinheiro público para viabilizar esta participação Nacional; é que, por outro lado, foi o Estado Português que avalizou a qualidade dos nossos atletas, concedendo-lhes esses apoios; e das duas uma… ou esse Estado é incompetente, porque avaliou mal os atletas e, apesar das suas “debilidades” acabou por apoiar indevidamente a sua pretensão de viajar até Pequim à nossa conta; ou esse Estado é incompetente, porque tendo percebido que o nosso País é “débil” na área do desporto, mesmo assim deu-se ao luxo de gastar o dinheiro de que avidamente precisamos em Portugal só para que um grupelho de gente fosse passear ao Oriente…

Mas a verdade, e essa é inquestionável, é que todos sabemos que o desporto Português (goste-se ou não) está muito longe de poder ser considerado débil, e que os nosso atletas, na precariedade de condições que o Estado lhes oferece, têm levado bem longe o nome e a pujança de um País extraordinário que é Portugal.

A menos de uma semana do início das Olimpíadas, que muitos atletas Nacionais vão enfrentar depois de anos de preparação exaustiva e investindo a própria vida na expectativa de alcançar bons resultados, vem um representante do Estado falar de um País que não existe para além das paredes sombrias da Secretaria de Estado onde o acomodaram.

Portugal é muito mais forte; muito mais sólido; muito mais estruturado; muito maior de que este secretário de estado pode imaginar.

Nos últimos 850 anos, no meio das maiores vicissitudes e de verdadeiras “debilidades” Portugal soube impor-se no Mundo. Só que não sabe disto é o Estado que, conjunturalmente, dizem que nos governa…

Bloquear Portugal




por: João Aníbal Henriques

Num exercício vil e ilegal, transtornando a vida a vários milhões de Portugueses, e pondo em causa a (já de si precária) sobrevivência de centenas de pequenas e médias empresas, grupos de camionistas resolveram dar voz aos seus protestos bloqueando Portugal.

Sabendo-se que têm razão quando mencionam o estado caótico em que se encontram as suas empresas, e que a recente subida do preço dos combustíveis põe em causa a continuidade da sua actividade, Portugal sabe também que essas queixas são transversais a muitos outros ramos de actividade (temo dizer que a todos os ramos de actividade), e que gasóleo mais barato, benefícios nos preços das portagens, na entrega do IVA ao Estado e nas taxas de IRC são benefícios de que urgentemente necessitam vários milhares de empresas Portuguesas de vários ramos.

Na situação específica a que assistimos, e pese embora o facto de todos compreenderem o desespero que se apoderou dos camionistas, não é possível compreender, entender e/ou aceitar que todo o País fique refém destas práticas e seja arrastado para um caos maior do que aquele para onde nos está já a levar uma situação internacionalmente instável e de graves (e possivelmente ainda impossíveis de entender na sua plenitude) consequências económicas, políticas e sociais.

Os bloqueios foram ilegais; as práticas foram ilegais; morreram pessoas; cidadãos deixaram de poder locomover-se, abastecer, adquirir alimentos, levar os filhos à escola e trabalhar; empresas deixaram de conseguir escoar os seus produtos e de receber matéria-prima para poder trabalhar; enfim… Portugal inteiro viu-se de mãos e pés atados perante um conjunto de práticas ilegais (leia-se ilegais como contrariando os preceitos definidos na Lei nacional).

O Estado, a quem todos nós pagamos (e bem) para nos garantir o cumprimento da Lei, desapareceu por completo durante a crise e, como se de uma guerra se tratasse, malfeitores davam entrevistas nos canais de televisão pressionando o Governo com ameaças de que se não cedessem rapidamente “transformariam o protesto numa Guerra Civil”!

E os cidadãos, cumpridores das suas obrigações e deveres; pagando os seus impostos; e obviamente esperando do Governo medidas concretas que colocassem um fim imediato às barbaridades que estavam a passar-se, tiveram de deixar de trabalhar, comprar alimentos e abdicar do seu quotidiano em prol de uma postura totalmente conivente de um Estado não representa nem defende ninguém.

No final do processo, já durante a madrugada de hoje, os grevistas ilegais resolveram aceitar todas as muitas benesses com que o Governo comprou o direito à Ordem Pública. Pagou-lhes em benefícios fiscais, descontos nas portagens e em quase todas as restantes regalias que eles exigiram.

Eu, cidadão Português, pagador dos meus impostos e cumpridor das minhas obrigações, também tenho dificuldades na minha empresa devido à carestia e, sobretudo, ao aumento do preço dos combustíveis.

Como é óbvio, também quero (e preciso) de descontos nas portagens; de benefícios no IRC e no pagamento do IRS; e de gasóleo mais barato.

Vou, por isso, enviar hoje mesmo uma carta ao primeiro-ministro a exigir tudo isto e, já agora, ameaçando-o de que vou cortar a A1 se não receber tudo aquilo que exigi nas próximas 24 horas!...

E o resto dos Portugueses que se lixem! Se quiserem venham comigo para as portagens de Alverca e usufruam das benesses que eles me vão dar.

É que em Portugal, sem Lei nem ordem, e com uma democracia da treta consumida por um Estado sem direito, só pela força e em total atropelo a tudo aquilo que deveriam ser as regras de um País civilizado, consciente e em desenvolvimento, se consegue fazer ouvir a voz de Portugal.

quarta-feira

O Dia da Raça e as Memórias de Auschwitz





por: João Aníbal Henriques

No seu discurso comemorativo do Dia de Portugal, o Presidente da República, Cavaco Silva, referiu-se à necessidade de reforçar a comemoração do “Dia da Raça”.

Essa expressão, que os partidos da esquerda mais radical imediatamente associaram à prática instituída pelo Estado Novo para reforçar o sentimento de pertença a Portugal que todos sabiam ser necessário para estruturar o esforço Nacional que o País devia fazer para ultrapassar as vicissitudes de uma Europa conjunturalmente em caos, tornou-se de imediato no fulcro de dezenas de peças jornalísticas nos diversos jornais e televisões, servindo ainda como lenha para atear as fogueiras de vários comentadores.

Num País que já pouco sabe de si próprio, e no qual (como aliás o próprio Cavaco Silva referiu ainda há pouco tempo) a História é considerada elemento retrógado que deve ser esquecida para dar lugar a abordagens de futuro, a intervenção do Presidente da República só pode ser entendida de duas maneiras:

1ª – Ele conhece a nossa História recente e utilizou a frase como forma assumida de contextualizar o caos recente em situações análogas que Portugal já atravessou, deixando pistas que permitem perceber quais são os melhores caminhos para o garante do êxito final;

2º - Ele não conhece a nossa História recente e foi somente a sua argúcia política que, tendo em consideração o estado de caos económico-político-social em que vivemos, lhe ditou o caminho mais estruturado para ultrapassar a crise.

Em qualquer dos casos, e tenha dito a frase de forma consciente ou inconsciente, é sempre meritório assistir a um Chefe de Estado que tem capacidade de distinguir a força da Alma Nacional, cadinho da energia de que a Nação necessita para prosperar noutras áreas, das vicissitudes conjunturais que afectam o País.

Portugal enquanto País, oprimido pelos bloqueios que lhe impõe uma Europa com a qual pouco tem a haver; pelas dificuldades estruturais que o caracterizam enquanto País; pelas conjunturais necessidades que a situação internacional acarreta; e pela complexidade que está inerente ao facto de o sistema político-partidário em que vivemos estar total e completamente moribundo; pouco mais pode fazer para resolver a crise convulsiva em que se encontra do que gerindo dia-a-dia os equilíbrios tecidos pelos muitos problemas com que vai tendo de lidar.

Enquanto Nação, no entanto, a força de Portugal é intocável e, como Cavaco Silva bem percebeu, incentivar esse fogo que dá alento ao País, significa alentar o povo, as instituições e a sociedade civil a reencontrar dentro de si própria formas inovadoras de se transcender e de se impor perante as vicissitudes do Mundo e da Europa.

Para que isso se torne possível, e para além do futebol (que já todos percebemos que é capaz de fazer esquecer os problemas e unir o povo em torno de algo imaterial), é fundamental que se reconstruam memórias e se conheça a História. É essencial que saibamos de onde viemos, quem somos e para onde poderemos ir. É fundamental que a consciência individual se fundamente num juízo crítico baseado nos factos e nas informações.

Essa consciência pessoa, mesclada com outras similares, forma a consciência Nacional que Portugal já mal se lembra de ter existido. Seria ela que, dando corpo às escolhas pessoais de cada um, permitiria que os actos eleitorais, as formações de listas para órgãos de soberania, a composição do parlamento, etc. fossem sinónimo de democracia (que não temos), porque ela só é possível com consciência e a consciência só é possível com base no conhecimento!...

Depois do discurso de Cavaco Silva, e por entre os muitos comentários radicais que ouvimos, houve aqueles que centralizaram em Salazar, no Estado Novo e até no Município de Santa Comba Dão as vicissitudes dos nossos males.

Diziam que o discurso do Presidente da República seria seguido do retorno ao passado; que agora só faltava a autorização para a abertura do Museu do Estado Novo; e que tudo isto tem como objectivo fazer Portugal voltar ao pré-25/04.

Olhando para trás, para uma Europa acéfala e cada vez mais perdida num crescimento híbrido que vai pondo cobro a algum alicerce identitário que possa ter existido, rapidamente percebemos que o pouco que resta se deve à memória que se foi criando.

O que seria da Europa sem as memórias das muitas guerras e atrocidades que aqui se cometeram? O que seria da Europa sem os espaços-memória de Auschwitz e dos campos de concentração nazis? O que seria do Mundo sem os dias do trabalhador, da família, da mãe e do pai, do ambiente, etc.? O que seria de nós sem conhecermos o que nos precedeu e sem termos a possibilidade de sobre essa informação erguermos o nosso espírito crítico?

Para nós, que assumidamente sabemos o mal que resultou da experiência soviética; dos projectos trabalhistas; das revoluções socialistas; das atrocidades comunistas; etc. não podemos deixar de aplaudir e de apoiar a construção, criação e promoção de museus e espaços de memória que garantam que perdura no tempo o resultado dessas experiências. Porquê? Porque foram péssimas; porque influíram negativamente nas vidas de milhões de seres humanos; e sobretudo porque não queremos que se repitam. E a única maneira de alcançar esse desiderato é mostrando o que foram.

Quando se fala (a medo) do Dia da Raça, suscitando comentários extremistas contra a ligação que essa expressão poderá trazer relativamente ao Estado Novo, isso só dá vontade de perguntar aos seus autores:

- Têm medo que se mostre por saberem que resultaram bem e que o povo perceba que nem tudo o que se disse no pós-25/04 é verdade?...

segunda-feira

TOW (Travel Our Way) Comemorou James Bond no Estoril











por: João Aníbal Jenriques

Com o intuito de comemorar o 100º aniversário do escritor Ian Fleming, mítico autor da personagem intemporal James Bond, e recordando simultaneamente todo o glamour, emoção e aventura que representava o Estoril em meados do Século XX, realizou a TOW – Travel Our Way, em parceria com a Associação Cultural Confluência, Marina de Cascais, Hotel Palácio do Estoril e a Junta de Turismo da Costa do Estoril, um evento comemorativo desta efeméride.

O conteúdo deste dia extraordinário centrou-se na criação de um conjunto de acções encenadas em várias zonas do Estoril, procurando recriar a temática Bond e apelando às emoções e às memórias dos participantes.

Para tornar irrepetível e único este evento, foram convidadas uma série de personalidades Nacionais (Ana Brito e Cunha, Bibá Pita, Jorge Monte Real, Nilton, Lili Caneças, Maria José Pascoal e Luís Represas), oriundas de diversas áreas profissionais e sociais que, sem nada saberem relativamente ao que se ia passar, julgavam vir apoiar uma banal sessão comemorativa composta de uma conferência proferida por um ilustre especialista na presença de Bond no Estoril, e um jantar de encerramento…

O início dos trabalhos, numa conferência que foi precedida por uma abertura efectuada por Duarte Nobre Guedes (Presidente da Junta de Turismo da Costa do Estoril), fez-se com a apresentação da eminente figura. O Professor Doutor José Alexandre Paixão dos Anjos (actor Fábio Neves) proferiu uma surreal e inesperada conferência sobre os principais vícios de Bond no Estoril, e deu o mote para a entrada em cena de uma equipa de espiões Nazis apoiados num grupo da Máfia Napolitana, que invadiu a sala e sequestrou os participantes, levando-os num emocionante e “perigosíssimo” percurso que passou por vários locais em torno do Estoril e Cascais.

No final desse percurso, já na Casa de São Bernardo, na Marina de Cascais, os convidados foram levados para uma máquina do tempo, que lhes permitiu conhecer os Estoris de meados do Século XX, ao mesmo tempo que relembraram o saudoso Pedro Falcão (D. Simão Aranha), ilustre cascalense que escreveu as mais emotivas e sentidas memórias de Cascais.

Desse quadro idílico, no qual Lili Caneças acabou por contracenar com o actor João Quiaios (Pedro Falcão), os participantes foram contra-raptados por um grupo de espias Aliadas, que os levaram num passeio de barco pela Baía de Cascais, vendo de forma atenta a beleza quase indescritível que caracteriza a região…

No final do dia, já no Hotel Palácio do Estoril um magnífico jantar de época, com a presença do próprio James Bond (actor Ricardo Carriço) que chegou de Aston Martin encarnado e acompanhado de uma espampanante Bond Girl (actriz Catarina Anacleto).

Foi, por todos os motivos, um evento único e irrepetível, envolvido por num conjunto de situações inesperadas e surreais que perdurarão na memória de todos os participantes, sublinhando a mensagem de que a Costa do Estoril é, ainda hoje, um local mítico onde as emoções imperam.

Numa época em que o poder político procura destruir a marca ‘Estoril’, uma das mais antigas marcas turísticas de Portugal e aquela que cresceu de forma mais consolidada ao longo da última década, o Estoril vem demonstrar que é intemporal e mágico…

No jantar de encerramento, naquele que foi, também, o último grande evento protagonizado pela já extinta Junta de Turismo da Costa do Estoril, foi bem visível o total contra-senso que caracteriza a decisão política de fazer desaparecer esta região.

O Estoril, criado no início do Século XX por Fausto de Figueiredo, é muito mais do que o conjunto urbano de primeira qualidade, as praias magníficas, uma paisagem extraordinária e um clima irrepetível. O Estoril é, como bem o sabem todos aqueles que participaram nesta acção, um estado de Alma que perdura (intocável) no coração de todos aqueles que o conhecem bem.

No Estoril tudo é possível. Do Estoril tudo se pode esperar!

Mesmo porque a Fénix, que renasce das cinzas, é desde o início o símbolo vivo da localidade…

sexta-feira

Faleceu o Cónego Melo




O Cónego Eduardo Melo Peixoto, uma figura marcante da Arquidiocese de Braga, faleceu aos 80 anos de idade.

Foi feito Comendador por Mário Soares, tendo servido sob quatro Bispos e seis Papas.

Ordenado sacerdote em 1951, Monsenhor Cónego Eduardo Melo foi vigário geral da Diocese de Braga.

Esteve ligado a vários sectores da vida bracarense, nomeadamente, ao futebol, ao turismo, à religião e a imprensa.

O Óbito do Cónego Melo marca o fim de uma vida repleta de actividade e de controvérsia. Apesar das suas ideias, e sobretudo da sua consciência arreigada sobre aqueles que considerava os valores fundamentais da Portugalidade, o Cónego Melo não perdeu a simplicidade do seu relacionamento com o povo nem tão pouco o zelo perante a Sé de Braga de que era Deão.

Num acto digno de nota, em finais de 2005, tivemos a oportunidade de visitar aquele espaço, histórico, patrimonial e socialmente muito significante, tendo por guia o Cónego Melo. Foi uma experiência irrepetível que perdura na memória.

Sem olhar a credos, formações, proveniências ou cores, e contrariando aquilo que hoje se utiliza nalguns sectores para o caracterizar, o Cónego Melo dissertou, de forma genial sobre as causas que o moviam, mostrando que ao manter a Igreja e o Catolicismo em primeiro lugar, foi durante toda a sua vida um humanista capaz de perceber o próximo e de o integrar numa rede ampla de interacção social que desde sempre foi mote para a sua vida cívica.

O desaparecimento do Cónego Eduardo de Melo Peixoto, num Portugal em que a falta de ânimo se deve sobretudo à anomia que ataca transversalmente a sociedade Portuguesa, representa um duro golpe que afectará a região do Minho e todo o restante território Nacional.

A sua memória, queiram ou não aqueles que a ele sobreviveram, será perene, pois subsistirá a partir das dezenas de instituições que ele imaginou, delineou, estruturou, concretizou e tornou grandes sucessos para Portugal.

quarta-feira

A ‘Com-Cascais’ e uma Última Oportunidade para a Comunidade Cascalense


O início do Século XXI, com as novas tecnologias a incrementarem de forma abissal as capacidades interventivas do Homem sobre o meio envolvente, quase tudo pareciam novas oportunidades para dotar Portugal de instrumentos e de medidas estruturantes que garantissem uma entrada pujante numa era de sucesso e prosperidade que fosse, simultaneamente, sinónimo de qualidade de vida para as populações.

Cascais, centrado num território municipal marcado pela diversidade, parecia entrar nos novos tempos com o ensejo das grandes mudanças… Uma nova câmara municipal e um novo presidente, davam o mote enquadrante para um Concelho que se debatia com uma profundíssima crise. A sociedade civil, o empresariado, e até as escolas do Concelho pareciam condenadas a recuperar algum do seu fôlego antigo, retemperando a sua essência com um período de crescimento sustentado que surgisse como sinónimo de um devir quotidiano de qualidade e, esse, como cadinho de Identidade e de Cidadania.

No entanto, e sobretudo devido ao acumular de um desiquilíbrio que caracterizou o Concelho durante muito tempo, as coisas demoraram a acontecer em Cascais. A crise profunda não se inverteu de imediato, e o novo poder político não conseguiu impor o seu carácter activo e proficiente de modo a conseguir reanimar de imediato a Alma local. Os vícios de vários anos de profundo desprezo pela realidade municipal, pareciam ter-se imposto de forma inexorável a Cascais e aos cascalenses, deixando no ar poucas esperanças de uma inversão neste quadro de mal-estar e de desânimo que os munícipes sentiam.

No interior do Concelho, onde a lacuna identitária mais se fazia sentir, continuou o processo da legalização generalizada dos bairros clandestinos (com a sigla airosa mas pouco verdadeira de AUGIS), que não só dava suporte às ilegalidade cometidas durante várias décadas, como ainda promovia a prática continuada do mau planeamento e da péssima construção, gerando consequências negativas que hão-de fazer-se sentir durante várias gerações. Sob a tutela dos instrumentos municipais de gestão do território, e acoitadas nas teóricas "necessidades sociais" daqueles que haviam vendido (e comprado) percelas de terrenos não loteados, foi impossível contrariar as vicissitudes que o passado havia imposto.

Em termos das infra-estruturas, por seu turno, foi dificílimo conseguir impor um novo ritmo verdadeiramente consequente para inverter o caos instalado e para dar resposta aos novos desafios que Cascais se preparava para enfrentar.

Durante a primeira metade da primeira década deste novo Século e Milénio, Cascais manteve o seu alinhamento pelo que de pior existia na Área Metropolitana de Lisboa, e assumindo cada vez mais a vocação imposta de subúrbio, com prejuízos evidentes para o que ainda restava da famigerada Identidade Municipal.

Apesar deste quadro negro, e do tom agoirento ainda usual para lembrar as vicissitudes daquele que será (quando mais não seja pela mística que o envolve) um dos espaços mais significativos de Portugal, 2008 arranca com os primeiros sinais de uma mudança estruturante pela qual ansiavam todos os Cascalenses.

Terminadas que estão as acessibilidades do novo hospital, e finalizadas as obras que permitiram a inauguração dos novos centros de saúde, parece finalmente estar a chegar ao fim o período de 35 anos de provações extraordinárias pelas quais Cascais passou na área da saúde; na área da cultura, com uma rede extraordinária de boas bibliotecas, e uma coordenação da oferta cultural vigorosa e totalmente adaptada às necessidades municipais, Cascais ficou dotado das condições necessárias à criação de vínculos comunitários que se afiguram essenciais para o bem-estar e qualidade de vida das populações; na área do turismo, e apesar das inúmeras vicissitudes governamentais que colocaram em causa a existência da marca ‘Estoril’ e mais de 80 anos de trabalho empenhado na promoção externa da região, começam agora a surgir os frutos de todo o trabalho que foi feito, visíveis no aparecimento de empresas dinâmicas capazes de trazer a Cascais um posicionamento único no panorama Nacional, mas também bons hotéis, restaurantes e equipamentos de apoio que dotam todo o espaço municipal das condições essenciais para vingar numa Europa onde a concorrência impera; por fim, em termos da Identidade Municipal, foi criada uma instituição designada ‘Com-Cascais’ que, assertivamente gerada a partir de uma parceria público-privada, vai tentar complementar tudo o que atrás foi descrito com medidas práticas e eficazes que devolvam a Cascais o glamour de outros tempos.

E apesar de não parecer, é precisamente na ‘Com-Cascais’ que se centram as grandes transformações e prioridades que possibilitarão ao município rentabilizar as muitas medidas tomadas noutras áreas. Um Concelho como este, pleno de História e de estórias, com disparidades enormes entre um interior de génese rural e de um litoral cosmopolita, necessita avidamente de um pólo aglutinador da sua Identidade.

Como não existe corpo sem cabeça, será da forma como a nova instituição conseguir contrariar o ritmo degradatório que tem vindo a caracterizar os núcleos urbanos consolidados da Vila de Cascais e dos Estoris, sobretudo na sua faceta comercial mais tradicional, que depende o sucesso do projecto global de requalificação que este executivo tem vindo a empreender.

A ‘Com-Cascais’, com um papel ainda pouco definido junto daqueles que são responsáveis pelo quotidiano nestes espaços tão importantes, não deve nem pode sobrepor-se às responsabilidades, obrigações e competências que pertencem às entidades públicas e privadas que lhe dão corpo. Segurança, limpeza, iluminação, conservação, estratégia comercial e urbanismo, são áreas que devem manter-se no círculo de competências da Autarquia, do empresariado e da polícia. A não ser assim, e sabendo de antemão que todas e quaisquer medidas avulso tomadas nestas áreas resultarão em absolutamente nada em termos da requalificação dos espaços onde se pretende intervir, correremos o risco de ver a ‘Com-Cascais’ completamente subjugada face aos problemas de muitas décadas de conformismo que levaram a Vila de Cascais e os Estoris à situação em que actualmente estão.

A ‘Com-Cascais’, que em traços aprofundados e sem designação oficial caracterizámos anteriormente (ver: “Urbanismo & Comércio”, Cascais, Fundação Cascais, 2003) é o pólo aglutinador que permitirá recriar globalmente um plano que dê rosto a estes espaços.

Sem competências específicas nas áreas mencionadas, mas com capacidade de gerar consensos entre as diversas entidades teoricamente competentes para gerir os espaços, a ‘Com-Cascais’ vem ocupar um espaço de que Cascais necessita avidamente para que se recupere o património, se dinamize comercialmente, e se garanta segurança e conforto urbano naqueles que são os espaços de partilha e de excelência de uma comunidade que está a reaprender a ser Cascalense.

A interdependência dos diversos intervenientes, numa espécie de triângulo de ninguém, colocava o património, o urbanismo, o comércio e a animação em patamares onde a comunicação não existia. Com a criação da nova instituição, e a geração de mecanismos de interligação entre os diversos intervenientes, ficam criadas as condições para que se feche o ciclo negativo que Cascais tem vindo a viver.

Assim haja vontade, discernimento, bom-senso e força por parte de todos os intervenientes…

segunda-feira

Os Ovos da Dinamarca e o Turismo de Portugal


por João Aníbal Henriques

Nos primórdios dos anos 90, quando Portugal começou a apresentar os primeiros laivos de uma europeidade estranha à sua essência, aconteceu na Dinamarca um fenómeno simples mas de grande importância, que deveria ter dados pistas aos governantes Portugueses para a definição de programas estratégicos para o desenvolvimento concertado do País.

Nessa altura, quando por aqui dava os primeiros passos a lógica da uniformização, dizendo-se que era esse o caminho que nos aproximaria da Europa e que nos traria a qualidade de vida que caracterizava o devir dos nossos vizinhos, foi notícia em Copenhaga o facto de, pela primeira vez em muitos anos, o número de ovos ditos do campo vendidos nos supermercados daquela capital escandinava, terem ultrapassado de forma substancial os ovos produzidos modernamente nos aviários…

Contra todas as expectativas, e com um preço substancialmente mais caro do que os seus congéneres bonitos e airosos produzidos industrialmente nas produções tecnicamente evoluídas do País, os ovos campestres haviam imperado na Dinamarca, mostrando que os cidadãos, com toda a formação e informação que caracteriza o evoluído País Norte-Europeu, estavam dispostos a pagar mais por um produto diferente, entrando em contra-ciclo com a evolução do País desde a segunda Guerra Mundial.

A explicação para o facto, procurada de forma insistente em várias universidades e por vários dos mais conceituados investigadores locais, atribuiu às estórias por detrás daqueles ovos (o cheirinho a autenticidade e às cores dos tempos dos nossos avós) a preferência dos dinamarqueses, uma vez que em termos de qualidade nutritiva e proteica, nada acrescentavam aos ovos que até aí sempre se venderam nos mercados e supermercados locais.

Era o mito e a lenda por detrás destes espécimes disformes, mais do que as suas características efectivas, que motivavam os dinamarqueses a gastar em média mais 30% neste ovos. E faziam-no pelas memórias, pela emoção e pelo glamour que o facto de serem únicos e irrepetíveis lhes atribuía.

Desde essa altura até hoje, esse movimento não tem conhecido retrocessos. Os aviários e os seus cubículos onde as galinhas produzem quantidades enormes de ovos de óptima qualidade e sanitariamente controlados, tornaram-se sinónimo de massificação, de desinteresse e até de politicamente incorrecto. Levantaram-se vozes a favor dos direitos dos animais e neste dealbar de um novo Século, somente uma década depois do ocorrido, começa a falar-se na possibilidade de se tornar ilegal a “exploração imoral” dos animais, já sendo praticamente coisa do passado os ovinhos bonitos e milimetricamente iguais uns aos outros que ainda fazem furor nas prateleiras dos hipermercados de Portugal.

Pode parecer pouco interessante esta história. Pode até parecer que nada tem a haver com Portugal. Mas não é verdade. É singela, e isso é um facto indiscutível, mas tem (ou deveria ter) uma importância inaudita em Portugal.

E a razão é fácil de compreender. Nos anos 90, quando Portugal iniciou efectivamente o seu processo de aproximação a Europa, uniformizando normas e procedimentos, e assistindo ao fim de muitas das suas mais ancestrais, relevantes e interessantes tradições, os Países mais evoluídos do velho continente já procuravam aquilo que é único e irrepetível… Já buscavam as emoções e as estórias associadas aos produtos, e já tinham percebido que era esse o caminho que garantiria o sucesso na nova era que estava a nascer.

Mas Portugal nada percebeu. Não percebeu que estava condenado a ser parente pobre numa Europa rica e industrializada; não percebeu que a aproximação se deveria fazer pela assumpção das suas características e não pela adopção das características dos outros; não entendeu que, com o seu clima, paisagem, riqueza cultural, gastronomia, vinhos e saber, poderia ser o grande destino turístico no qual seriam gastas as economias dos habitantes ditos evoluídos de uma Europa ávida de sentir…

No início do Século XXI, já todos perceberam que Portugal está condenado ao turismo e que, noutras áreas, dificilmente teremos reais possibilidades de competir. Já todos perceberam que Portugal como destino assenta nas especificidades que o compõem; nas suas tradições únicas; nos seus ritos ancestrais; e na irrepetibilidade da sua História. São esses aspectos, dando corpo a um edifício onde os modernos resorts de grande qualidade dão o mote, complemento uma oferta hoteleira de primeira escolha, uma restauração excepcional, e campos de golfe onde é possível jogar quase 365 dias por ano, que transformam Portugal num destino muito especial.

Só falta, agora que já todos estão conscientes do nosso destino e papel nesta Europa desgastada, que o Estado perceba que já não se vendem ovos uniformizados… que quem procura Portugal quer sobretudo memórias para contar; que as emoções se sobrepuseram às razões…

Mas Portugal ainda tem oportunidade de se recriar; e, apesar da ASAE, ainda tem oportunidade para estudar, conhecer e reconhecer os aspectos únicos que o seu devir histórico lhe granjeou. Ainda pode inverter o caminho, e assumir-se como Nação, apostando nas suas memórias, e assentando nos cheiros, cores e sabores das suas gentes as muitas lendas e estórias que tem para contar.

O turismo de Portugal é provavelmente a única fonte de riqueza que ainda brota no País; é a oportunidade final para podermos levantar a cabeça e crescer; é o ponto nadir no resto da nossa História.

Esperemos que, oficialmente, se lembrem do sabor dos ovos produzidos nas quintarolas dos nossos avós; na bola de carne das muitas Páscoas tradicionais; no vinho vendido sem rótulo directamente pelo produtor; nos galheteiros nas tascas de província; e nas açordas feitas com pão da véspera que pareciam transbordar de sabor.

Porque na Dinamarca o que se procura é Portugal!

sexta-feira

Colégio João de Deus no Monte Estoril



por João Aníbal Henriques

Num exercício pleno de significado e de emoção, a Associação dos Antigos Alunos do Colégio de João de Deus, no Monte Estoril, editou recentemente o livro de memórias da instituição, da autoria de José Pires de Lima.

A obra, centrada nas experiências que resultaram da passagem por aquela instituição de centenas de alunos desde 1936 até 1970, é um repositório de algumas das muitas estórias que deram forma à História daquele saudoso estabelecimento de ensino.

Ao longo da sua curta existência de cerca de 34 anos, o Colégio de João de Deus marcou algumas gerações de Portugueses que ali encontraram a formação cívica e a instrução que os preparou para a vida.

A grande surpresa, para todos aqueles que estão pouco habituados a conhecer este tipo de instituições, reside no facto de o Centro Cultural de Cascais, onde a Câmara local apresentou publicamente o livro, estar complemente cheio de antigos alunos. É que, 37 anos depois do encerramento, e para alguns dos antigos alunos, passados que foram mais de 50 anos desde que saíram do colégio, as memórias dos anos ali passados e dos mestres que os acompanharam, permanecem bem vivas e continuam a marcar o seu dia-a-dia.

Para o Portugal de hoje, alheio politicamente à revolução pela qual passa o nosso sistema de ensino, e com problemas estruturais graves (e talvez irresolúveis) que afectarão várias gerações, deveria ser motivo de orgulho e acima de tudo lição, a forma como este projecto se concretizou.

Para o Governo e para o Ministério da Educação, mas também para as escolas privadas, universidades e demais responsáveis pelo processo educativo, a obra agora editada deveria merecer uma análise profunda e cuidada, gerando indicações e sugestões para aplicação na actualidade.

Em nome de um Portugal com futuro, é fundamental apelar às experiências de sucesso do passado, pois só com a consciência comunitária do que fomos, será possível planificar estruturadamente aquilo que queremos vir a ser.



quinta-feira

Cascais Natura e o Projecto Oxigénio


por João Aníbal Henriques

Numa iniciativa inédita no Concelho de Cascais, a empresa municipal Cascais Natura plantou no passado fim-de-semana cerca de 6000 novas árvores na área do Parque Natural Sintra Cascais, na zona a nascente do Zambujeiro.

Com uma organização bem conseguida, e um sistema de apoio onde a simpatia imperava, empresas e famílias de Cascais foram convidadas a associar-se à iniciativa, assumindo a tarefa de transportar consigo um conjunto de árvores, material de jardinagem e algumas garrafas de água e de plantar, em talhões previamente definidos, os vários milhares de pinheiros e carvalhos, dando corpo ao projecto “Oxigénio” que a Autarquia e a referida EM procuram implantar.

Com o objectivo meritório de associar a plantação de uma nova árvore a cada criança cascalense nascida nos últimos anos, e apelando ao apoio popular, é de realçar a grande participação de munícipes ao longo de todo o fim-de-semana. Enchendo de cor um espaço onde o abandono e a ruína proliferava há vários anos, foi visível a forma empenhada como um vastíssimo número de adultos, jovens e crianças de Cascais se dedicaram à plantação dos novos espécimes.

O projecto Oxigénio tem como objectivo promover a conservação da Natureza e da Biodiversidade em Cascais através da plantação de árvores e de acções de manutenção dos terrenos. Para além das óbvias consequências ambientais que tal acção terá no restabelecimento da biodiversidade dentro do Parque Natural Sintra Cascais, e da recriação dos equilíbrios ecológicos que suportam a qualidade de vida neste Concelho, a iniciativa teve efeitos avassaladores em termos da muito diminuída Identidade Municipal.

Todas as crianças que participaram nesta acção, muitas delas acedendo pela primeira vez a uma das muitas zonas deslumbrantes da mancha verde cascalense, criaram com os espécimes plantados, com a floresta que desse acto vai derivar e com a própria paisagem do Concelho, uma relação forte e indestrutível que alterará por completo a forma como crescerão e se relacionarão com Cascais.

sexta-feira

Viagem ao Monte Estoril




por João Aníbal Henriques


Quando em 2002, com o apoio da Câmara Municipal de Cascais (o prefácio do livro era da autoria do Dr. António Capucho – Presidente da CMC), da Associação Comercial de Cascais, da Associação de Moradores do Monte Estoril, da Junta de Freguesia do Estoril e da Fundação Cascais, publiquei em parceria com Diogo Pacheco de Amorim o livro “Urbanismo & Comércio”, centrado numa análise prática e exaustiva à povoação do Monte Estoril e fundamentando num vastíssimo trabalho de pesquisa que deu origem a um conjunto de propostas concretas (as primeiras desde o falecimento do Conde Moser…) que permitiriam inverter o clima de degradação total que afectava a localidade, as críticas foram unânimes e não tardaram nem um minuto a fazer-se sentir.

Naquela altura, e com um prognóstico muito reservado em relação ao futuro daquele espaço extraordinário, concluímos que a única forma de inverter o clima de degradação que se havia instalado era reunir, suportado em consenso total, todos os grupos, associações, entidades e demais interessados no Monte Estoril, assegurando que, de uma forma isenta, independente e livre, se criava um plano global verdadeiramente coerente que sustentasse uma intervenção alargada no espaço.

Entendíamos que áreas como a da saúde, do trânsito, da cultura, da educação, do apoio sócia, da segurança, do património e do urbanismo, deveriam ser entendidas de forma conjunta, desenvolvendo uma intervenção concertada por um objectivo comum que fosse determinado consensualmente por todos os intervenientes interessados naquele espaço.





Nessa altura, e com a Associação de Moradores já legalmente constituída, procedeu-se a um ciclo longo e cansativo de trabalho, reunindo de forma alongada com todas as instituições que intervinham no Monte Estoril. A Câmara Municipal de Cascais, através do sei Presidente Dr. António Capucho, e do Vereador Manuel Andrade, foram os primeiros a ser ouvidos, logo seguidos dos responsáveis pelo Departamento do Trânsito da edilidade. O percurso de reuniões levou-nos ainda à Academia de Letras e Artes, à Sociedade Propaganda de Cascais, à Associação Comercial de Cascais, ao núcleo do Monte Estoril da Associação Comercial de Cascais, à Junta de Freguesia do Estoril, à PSP do Estoril, à Gisparques, à Stagecoach, etc.

As opiniões que recolhemos, quase todas resultado de uma vastíssima experiência de todos os nossos interlocutores no terreno, foram muito semelhantes, e o diagnóstico que todos fizeram deixava antever um cenário pouco animador para aquele espaço tão especial.

Apesar disso e com ajuda inestimável e permanente de vários monte-estorilenses com quem partilhámos a AMME desde a sua fundação (urge recordar o trabalho incansável do Paulo Maia de Loureiro, do Luís Caetano, do José Santos Fernandes, do Luís Athayde, do Fernando Tavares Rodrigues, de entre muitos outros), conseguimos agregar todas as opiniões, sugestões e ideias numa proposta comum, concretizando assim o primeiro plano glocal de requalificação do Monte Estoril em mais de cem anos. O documento (nessa altura ainda mero esboço) foi posteriormente apresentado pormenorizadamente a cada uma das personalidades e/ou instituições com quem havíamos falado, com o objectivo de limar arestas e de lhe dar um cunho de oficialidade que garantisse a salvaguarda dos interesses do Monte Estoril.




Aquele plano, que todas (e sublinho o todos) consideraram excelente, e que todos (e sublinho reiteradamente o todos) apoiaram individualmente quando o apresentámos, permitiram ao Monte Estoril requalificar-se, resolvendo de forma coerente os mais graves problemas de trânsito e gestão de tráfico, estacionamento, gestão e manutenção do espaço público, requalificação do património edificado, cultura, educação, e segurança, gerando assim as condições que rentabilizaram as suas mais valias e valorizariam a sua actividade comercial.

Apesar disso, e do aplauso unânime que recebemos de todos aqueles que directa ou indirectamente estavam relacionados com o Monte Estoril, não foi possível concretizar nenhuma das ideias, nem sequer rentabilizar a muita informação recolhida e a massa crítica e o potencial interventivo que se havia consolidado à nossa volta.

Num surpreendente volte-face, protagonizado pelo então presidente da Associação Comercial (até um dos mais contundentes e aguerridos defensores do nosso trabalho e um apoiante inequívoco da nossa acção), aquela instituição veio a público inverter a realidade, deturpando os factos, e deu início a uma campanha caluniosa em relação a alguns dos signatários do projecto.

E o mais curioso episódio desta espécie de novela (que ainda hoje tem ecos gravíssimo no Monte Estoril) teve a haver com a velocidade com que tudo aconteceu… Foi de tal forma rápida a mudança de posição que, à data da publicação do livro atrás mencionado, no qual constam todas as medidas que compunham o Plano de Requalificação do Monte Estoril, o próprio Presidente da Associação Comercial subscreveu o texto e as ideias, tendo inclusivamente assinado um texto elogioso que surge publicado nesse mesmo livro!




Com um intervalo de alguns dias, quando teve lugar a cerimónia de apresentação da obra no Salão Nobre dos Paços do Concelho, com a presença da grande maioria das instituições cascalenses mas sem ninguém de nenhuma das instituições que haviam apoiado o estudo, a Associação Comercial já não apoiava as medidas que no livro por si tinham sido apoiadas, dando por errado aquilo que no livro subscreve…

Meia década depois destes tristes acontecimentos, e com o estudo, os dados recolhidos e o próprio livro perdidos algures no meio da Lixeira de Trajouce, o Monte Estoril novamente à ribalta pelos piores motivos. De um lado, as polémicas em torno das permanente destruições de património, da falta de estacionamento, do trânsito caótico, do comércio em profunda crise, das lojas de chineses que continuam a abrir, da insegurança latente que a localidade cada vez mais vai sentindo, do vandalismo e de uma paulatina anomia que se vai instalando de maneira irreversível. Do outro, um estudo elaborado por alunos da Universidade Lusíada e exposto no centro de Cascais, que contou com o apoio da edilidade e que foi alvo de grande visibilidade e concordância.

E se o diagnóstico deste estudo é semelhante àquele que eu e o Diogo Pacheco de Amorim traçamos no livro, sempre sustentado pelo estudo profunda realizado pela Associação de Moradores do Monte Estoril, ele é hoje muito mais graves porque desde aquela altura até hoje a situação continua a gravar-se paulatinamente. Em termos de propostas concretas para a resolução do problema, estas (que foram aplaudidas como únicas por todos os intervenientes como se antes disto nada tivesse sido feito) são parcelares, estão desenquadradas, e não permitem (como bem frisou o Senhor Presidente da Câmara no momento da inauguração da exposição) uma intervenção coerente, imediata e consequente no Monte Estoril.



Cinco anos depois de ter sido publicado o nosso estudo, e para tristeza profunda de todos aqueles que assumem o Monte Estoril como o local especial onde desejamos viver, o caos continua instalado na localidade.

O nosso estudo, enquadrado, contextualizado, alicerçado em informação exaustivamente recolhida no espaço e junto da sua gente, e consolidado por profissionais de grande reputação técnica nos sectores onde a intervenção se exige, foi pura e simplesmente para o lixo como se nunca tivesse existido.

Cinco anos depois de termos respirado fundo e assumido os muitos meses de dedicação que dispensámos à nossa terra urge perguntar novamente: será que ainda existe mesmo alguém que se interesse verdadeiramente pelo Monte Estoril?