sexta-feira

O Dalai Lama e a Vergonha de Portugal






por: João Aníbal Henriques

A tradição popular, desde sempre entendida como sinónimo de uma profunda sabedoria que retira das brumas do insondável as informações de que necessitamos para compreender o que nos rodeia, diz linearmente que o tempo tudo cura.

O passar dos anos; as vicissitudes do devir história; e a própria passagem inexorável das calendas; são sinónimo de reajustamentos sociais, económicos, políticos, ideológicos e culturais que representam o lento e natural processo evolutivo das comunidades e das sociedades humanas.

Contrariando tudo isso, e mostrando que o nosso País é mesmo uma realidade à parte do resto da humanidade, Portugal mostrou esta semana que por cá nada é linear nem evolui de forma natural.

Quando em 2001 recebemos a visita ilustre do Dalai Lama, chefe religioso e líder de uma comunidade que foi invadida e cerceada dos seus direitos fundamentais por um regime totalitário de raiz comunista, anti-democrático e eivado do mais profundo desprezo pela vida humana, o Estado Português recusou-se a assumir e a defender as suas posições e, pondo em causa todas as máximas ideológicas que serviram de pano de fundo à (sabe-se agora muito bem) abrilesca revolução dos cravos, foi incapaz de receber oficialmente este alto dignitário, com medo de com esse acto poder ferir susceptibilidades num regime que (agora também se sabe bem) as instâncias democráticas que lhe dão sustento apoiam de forma veemente.

Portugal não evoluiu entre 2001 e 2007. Nestes últimos seis anos, e depois das rocambolescas alterações partidárias que se sucederam no aparelho do Estado, verifica-se que tudo ficou na mesma.

Com um incomensurável apoio popular, bem visível nas expressões de carinho que têm vindo a público sobre a figura do Dalai Lama nestas últimas semanas, e pela completa enchente no Pavilhão Atlântico para assistir à conferência pública do próximo fim-de-semana, o líder religioso volta a Portugal sem ser recebido oficialmente pelos mais importantes representantes do Estado. Do Governo ao Presidente da República, passando por toda a longa cadeia de subalternidades que dão pompa e circunstância ao folclore do Estado, foi geral a falta de coragem, capacidade de entendimento, a falta de princípios e de valores que caracterizaram o Portugal dito oficial.

Mas a coisa poderia ficar por aqui. Ninguém o recebe; ninguém é capaz de assumir as razões efectivas que sustentam essa decisão; e todos nós ficávamos a saber com precisão que o Estado Português apoia, oficial e publicamente, a forma de estar, o sustento ideológico e a prática do Governo Chinês. Seria um direito que assistia aos actuais representantes de Portugal…

Mas não. Contrariando todos os restantes, e criando uma situação de absurda confusão, o Presidente da Assembleia da República recebeu oficialmente o Dalai Lama, sem qualquer espécie de reprimenda ou comentário dos seus pares, deixando o cidadão comum sem nada perceber.

Então o Estado Português apoia o Dalai Lama e as suas pretensões condenando a China, as suas posições, e a anexação forçada do Tibete? Se sim, porque motivo não foi o líder Tibetano recebido pelos restantes órgãos de soberania? Ou será que o Estado português não apoia o Dalai Lama nem o povo Tibetano, apoiando por exclusão de partes o regime totalitário comunista chinês, mas não teve coragem para o dizer publicamente quando Jaime Gama tomou a iniciativa de o receber?

Em qualquer dos casos, percebe-se uma coisa que não pode deixar de ser importante para os Portugueses: O Estado português, seja qual for a sua posição (e os recentes acontecimentos mostraram que ninguém sabe efectivamente qual é), não tem coragem para a assumir frontalmente.

E isso, tal como em 2001, continua a ser uma vergonha para Portugal e para os Portugueses!