quinta-feira

Nogueira Pinto e o Alívio da Madeira




por: João Aníbal Henriques

Alberto João Jardim, num acto de coragem, seriedade e grande consciência relativamente à realidade (leia-se também vontade) do povo que governa, utilizou as instâncias que a Lei prevê para criar soluções que lhe permitam cumprir a Lei da República.

Do Continente, que cada dia que passa se vai afastando cada vez mais daqueles outros portugueses, vieram de imediato os gritos da discórdia e da revolta. Dizia-se que Jardim não é democrata (quando o não ao aborto ganhou na Madeira); dizia-se que a sua decisão é ilegal (quando ele apelou às instâncias Nacionais para saber o que fazer com a solução disparatada que lhe impuseram); dizia-se ainda que a sua atitude é um desrespeito pela república, por Portugal e pela unidade Nacional (quando num anterior referendo Portugal votou contra o aborto facto que foi desrespeitado agora através de um novo plebiscito).

A favor de Alberto João Jardim, e para além da maioria dos Madeirenses, poucos ousaram opinar. E mesmo os que o fizeram, eivados da necessidade de ir lá buscar apoios ou votos de que vão necessitar avidamente dentro em breve, foram cuidadosos, não se comprometendo de forma empenhada como se sentissem vergonha ou embaraço de o fazer.

De facto, e analisando friamente a situação, sem que as posições a favor da vida ou a favor do aborto venham agora desvirtuar a perspectiva em relação à realidade, facilmente percebemos que a Lei aprovada pela Assembleia da República, que o presidente da dita rapidamente promulgou, e apesar de expressar de forma evidente o resultado oficial do referido referendo, é perfeitamente inconcebível no quadro do SNS que temos.

Quando alguém com cancro, doença crónica ou qualquer outra maleita a necessitar de cuidados urgentes para poder sobreviver, se depara com meses de espera para uma consulta e, por vezes, mesmo anos de demora numa operação que a gravidade do seu estado já não lhe permite fazer, como pode a república gastar esforços, meios humanos ou técnicos, e dinheiro, para fazer abortos a pedido de quem alegremente se entreteve a conceber o bebé?

Alberto João Jardim (e sublinho aqui o apoio expresso e explícito do povo madeirense) teve a lucidez, a coragem e o discernimento para dizer aquilo que deveria ser dito por todos os responsáveis por este País: não posso cumprir a Lei. Enquanto não existirem condições para isso, não é possível fazer. Ponto final!

Maria José Nogueira Pinto, num artigo digno de aplauso, vem hoje a público com um brilhante apontamento de opinião no Diário de Notícias. Naquele lugar, e com a visibilidade que sabe que agora tem, põe corajosamente no papel, de forma explicada e linearmente correcta, as razões que presidiram à decisão madeirense. Com as suas palavras, sem a grandiloquência de Jardim, e com a correcção, boa educação e rigor que todos lhe reconhecemos, explica comprovadamente a quem a queira ler, quais são as razões que dão razão ao líder madeirense.

Agora, com a coragem de Jardim, a ponderação de Nogueira Pinto, e com um vastíssimo apoio que lhe foi conferido pelo povo da Madeira, parecem já não existir razões para no continente não se perceber a situação. Agora, só não percebe quem não quiser.

Que alívio saber que ainda há quem fale Português…

quarta-feira

Liberdade de Educação



por: João Aníbal Henriques



Em 18 de Agosto próximo, quando o calor do estio começa a dar sinais de abrandamento e a brisa fresca do Outono se aproxima, fará 6 anos a minha filha mais velha.

Esta idade é, pelo menos desde o princípio do Século XX, uma marca consistente no percurso de vida dos portugueses. Marca o fim da despreocupação pré-escolar, com os jogos e brincadeiras envoltos somente em cheiros, cores e sabores, e simultaneamente a entrada na escola, para um percurso formativo que se adivinha longo, complexo e, nos dias que correm, com consequências perenes para o resto da vida.

Contrariamente àquilo que se podia esperar (pelo menos por parte daqueles que se deram ao trabalho de ler e reler os conteúdos programáticos dos actuais partidos políticos portugueses) o advento da dita democracia trouxe pouco de novo à educação em Portugal. Às críticas expressas relativamente ao passado, ao carácter opressivo da escola e do sistema educativo, e à falta de liberdade de escolha na instrução, o 25 de Abril respondeu com escolas liberais e proficientes, assentes na necessidade de oferecer à tecnologia um papel de destaque, plenas de liberdades e garantias para professores, pais e alunos.

Mas tudo isto foi (pelo menos até aos dias de hoje) pouco mais do que propaganda eleitoralística, que poucas (ou nenhumas) consequências práticas teve na realidade educativa Portuguesa.

Trinta e três anos depois da revolução, e com uma consciência acrescida relativamente à importância que tal facto tem na vida dos nossos filhos, os pais continuam coarctados e desprovidos de reais possibilidade de gerir o percurso educativo dos seus educandos.

Em Setembro próximo, já com ares de senhora e uma natural propensão para tudo aquilo que tem a haver com as estórias contadas e as letras que lhes dão forma, minha filha terá o seu primeiro dia de escola. Essa ocasião, marcante de forma efectiva na sua memória de vida, vai acontecer numa escola privada, escolhida pelos pais, onde estes encontram os programas, os princípios, as dinâmicas e a doutrina que consideram mais adequadas ao percurso instrutivo que a sua filha deverá seguir.

No entanto, e para que isso aconteça, nós pais, teremos de pagar duas vezes pela educação da nossa filha!... Sem apelo; sem agravo; sem possibilidade de interpor recurso para quem quer que seja; e assumindo que o esforço que faremos para garantir o cumprimento dessa duplicação de custos se fica a dever a especificidades efectivas que a criança tem, e que a obrigam a frequentar um determinado contexto escolar.

Através dos impostos, que nos são cobrados automaticamente no final de cada mês, o Estado paga a educação “tendencialmente gratuita” que a res-pública nos garante através da Constituição. Mas esquece-se (o Estado, o Governo, os partidos políticos, a comunicação social e os próprios pais), que essa parcela paga por todos para a educação dos nossos filhos tem um valor efectivo e real. Contabilizável e contabilizado. Ou seja, é possível saber exactamente quanto cada um de nós paga efectivamente em cada mês para a educação dos seus filhos.

Esse valor, sabe-se também nos dias que correm, que é substancial. Sabe-se que, quando comparado com os valores ditos irrealistas cobrados pelos estabelecimentos de ensino privados (considerados elitistas por parte de muitos), são efectivamente muito semelhantes. Sabe-se ainda que, se me fosse permitido gerir esse valor, escolhendo livremente a escola na qual desejo inscrever os meus filhos, tal resultaria em vários benefícios efectivos para todos:

1. A minha filha frequentaria a escola mais adequada ao seu perfil, significando isso à priori maior empenhamento e interesse e, por consequência, melhores resultados;
2. O Estado pouparia os custos referentes à frequência escolar da minha filha que, mesmo não frequentando a escola “da área de residência”, acaba por obrigá-lo a custear o lugar que lhe reservou;
3. As escolas obrigar-se-iam a um processo empenhado de qualificação dos seus recursos, estratégias e procedimentos (sob pena de não terem pura e simplesmente alunos e de com isso perderem os seus subsídios de funcionamento), com evidentes benefícios para toda a comunidade;

Conclusão: com o actual sistema dito democrático, e o autoritarismo esclerosado que vigora no nosso sistema educativo, a liberdade de escolha da escola, do percurso educativo dos nossos filhos, e das soluções que nós, pais, sabemos serem melhores para salvaguardar a qualidade da instrução recebida pelos educandos pelos quais somos responsáveis, pura e simplesmente não existem.

Vivemos sujeitos à ditadura da “escola na área de residência”; à ditadura de pagarmos por algo que não queremos ter; à ditadura de sermos obrigados a aceitar as imposições do Estado.

Dir-nos-ão os democratas dos partidos que nada disto é verdade; que a prova de que somos livres nessas escolhas está no facto de a nossa filha estar inscrita num colégio privado; de que qualquer um pode optar por soluções diferentes.

Mas aí, contrariando efectivamente os tais valores que os defensores de Abril dizem ser fundamentais, voltamos novamente ao mesmo. Só alguns, com capacidade, vontade e/ou discernimento para isso, o poderão fazer. Só alguns, com a consciência necessária para colocar os interesses do futuro dos filhos acima dos constrangimentos difíceis do dia-a-dia, se sujeitarão às regras do sistema em benefício de terceiros. Só alguns (talvez porque a democracia não é para todos) podem usufruir de um sistema educativo eficaz, adequado e com as garantias que todos desejamos para o percurso escolar dos nossos filhos.

Em Setembro próximo, pela 33ª vez de 1974, milhares de crianças Portuguesas vão usufruir do seu primeiro dia de escola. Mas a escola onde entrarão, a tal “escola da área de residência”, pode não ser necessariamente a que melhor se adequa ao seu perfil.

A escola onde vão entrar, e que recordarão toda a vida, será aquela que vão abandonar, muitas vezes antes de terminada a escolaridade obrigatória, porque ninguém lhes concedeu aquilo que a Constituição a todos nos promete:

Liberdade de escolha!