terça-feira

Cruzada Contra o Aborto









Uma cruzada contra o aborto marcou o primeiro dia do Congresso Internacional para a Nova Evangelização, a decorrer em Lisboa até ao próximo domingo – nem em situações limite, como a gravidez resultante de violação, o aborto é tolerável.



Isso mesmo defendeu Walter Osswald, professor catedrático de Medicina e antigo director do Instituto de Farmacologia e Terapêutica, a quem coube dar início ao ciclo de conferências deste congresso.

“A violação é um crime horroroso e é natural que a mulher não queira conservar o fruto desse crime. Mas não podemos fazer pagar uma vítima inocente pelo crime. A mãe deve manter a gravidez até ao fim e, depois, entregar o bebé para adopção.”

A má formação do feto também não justifica, segundo o professor catedrático, a interrupção da gravidez. “Um filho deficiente acarreta dificuldades. É fundamental, nestes casos, que a mãe disponha de ajuda espiritual e material.” A ouvi-lo estavam centenas de congressistas, que encheram a Igreja dos Jerónimos, local de realização das conferências.

Relembrando o mandamento ‘Não matarás’, Walter Osswald foi duro para quem desafia as palavras de Deus. “Dizem os defensores do aborto que a mulher tem o direito a dispor do seu próprio corpo. Mas o facto de uma mulher albergar em si um feto não implica que possa dispor da vida de outro.”

O especialista sublinhou, ainda, que “a questão da vida, a sua defesa e promoção diz respeito a todos, a começar pelos cristãos”, e classificou de “absolutamente ridícula” a posição dos que consideram que “até às 10 ou 12 semanas um feto não é pessoa humana”.MOBILIZAÇÃO PRECISA-SE

Recorrendo às palavras de João Paulo II – “é necessária uma mobilização geral para uma nova cultura de vida” –, Walter Osswald terminou a sua intervenção deixando um alerta. “Ninguém controla a sua vida. No entanto, o ser humano tem a responsabilidade de zelar pela sua conservação.”O ciclo de conferências prossegue esta manhã, também na Igreja dos Jerónimos. O orador convidado será Ulrich Kny, director da associação ‘Ajuda a Igreja que Sofre’ para o Brasil. A sua palestra incidirá sobre o tema ‘A vida como relação responsável’.
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in Correio da Manhã, 08.XI.2005

quarta-feira

Um Olhar Sobre a Habitação no Concelho de Cascais...



por: João Aníbal Henriques

O panorama habitacional português, definitivamente marcado pela sua conotação mediterrânea, pode ser analisado através de diversos tipos de perspectivas.
Segundo alguns autores, sempre integrando o desenvolvimento urbano dos espaços do sul da Europa num modelo mais amplo onde o desenvolvimento tardio dos equilíbrios capitalistas se traduziu, de uma forma premente, no parque habitacional, a urbanização do actual território português, na sua faceta litoral, é marcado pela discrepância que existe entre as cidades modernas, ou seja, aquelas que resultam dos planos regularizadores que surgem a partir do início do século XX, e aquelas que, por serem anteriores, são vincadamente marcadas pela necessidade efectiva de se utilizarem as estratégias conhecidas, as técnicas comuns, e as capacidades de cada um para levar a cabo a construção do lar.
Se, numa perspectiva mais lata, o modelo regularizado permitiu a vastas zonas de Portugal terem-se tornado em eminentes locais possuidores de uma importância turística sem igual, como aconteceu, por exemplo, com a zona ribeirinha do Porto, com uma área muito vasta do litoral centro português, e sobretudo com a denominada Costa do Sol, numa perspectiva restrita, em que o valor da individualidade permite expressar verdadeiramente o cerne mental das populações, é nos espaços urbanos caóticos pré-regularização, e naqueles que, embora posteriores, não usufruíram dos projectos que lhes permitiriam seguir orientações e definições políticas coerentes, que encontramos hoje verdadeiramente a essência de um sentir individual que permite interpretar as casas como verdadeiras obras de arte.
Segundo Leala Leontidou (1), foi precisamente a inexistência de um Estado dotado de poder efectivo, devido sobretudo a uma falta de representatividade marcada pelo processo que o criou e que o dotou da força que lhe permitiu governar, que assegurou a existência, na faixa mediterrânea e principalmente em tornos dos mais antigos aglomerados populacionais, de vastos espaços em que a construção habitacional, cunhada pela relativa facilidade com que se empreendia a edificação de uma casa, traduz verdadeiramente a essência daqueles que tomaram a iniciativa de produzir e de intervir nestes novos espaços. As cidades e os espaços urbanizados que surgem a partir da segunda metade do século XIX, dignos representantes de uma estruturação cultural em que é possível notar as influências oriundas de sectores políticos, económicos e sociais, espécie de grandes mercados de produtos e de mão-de-obra barata, servem assim os interesses de uma capitalismo nascente, no qual reside a substância daquilo que mais tarde se designará como suburbano.
A grande influência europeia nas estruturas económicas dos países do sul, principalmente por parte da Inglaterra e de França, que trouxeram a Portugal muito daquilo que na época se considerava amiúde como sendo o cerne de tudo o que se considerava progresso, faz-se sentir sobretudo ao nível das acessibilidades e das regalias que delas resultam. O que isto quer dizer, em termos muito simples, é que a iluminação eléctrica, o macadame nas estradas, os telefones e telégrafos e, principalmente, as linhas férreas, dotaram o campo e as populações rurais, de incentivos e de meios que lhes permitiram atingir as cidades. Neste movimento, muito rápido e incisivo, reside precisamente a grande diferença entre a urbanização dita mediterrânea do final do século passado, e a sua homóloga europeia, uma vez que enquanto que a primeira ocorre sobretudo num período pré-industrial, pois a eclosão do progresso é marcado unicamente pela industrialização dos grandes estados europeus, a segunda ocorre somente após terem sido criadas nas cidades as géneses de uma vivência industrial que, como é evidente, afecta verdadeiramente o parque urbano desses espaços.
Nos países em processo de industrialização, em que as estruturas fabris foram acompanhando o desenvolvimento dos postos de trabalho, a migração entre os espaço rurais e os espaços urbanos, faz-se sem grande implicações efectivas na estruturação urbana de cariz natural das cidades. Aqui, ao contrário do que sucede noutros locais, a cidade vai-se adaptando à necessidade de receber os seus novos habitantes, sendo que as construções dos novos espaços, independentemente daqueles que os ao ocupar, são pensadas, criadas e construídas a partir das dinâmicas internas das próprias empresas. Nesta situação, mais do que a liberdade construtivas que encontramos a sul, desenvolve-se uma homogeneidade institucionalizadora, que influi largamente nos equilíbrios políticos e sociais que enformam a existência das próprias empresas. As cidades, complemento directo do espaço de trabalho, deverão urbanizar aqueles que para ali vêm habitar, possuindo assim uma série de características que poderíamos considerar como pedagógicas, uma vez que procuram ensinar e educar os trabalhadores a uma forma de vida a que não estão minimamente habituados.
Nos países mediterrâneos, onde a industrialização é sempre sentida como um factor externo, em que a inovação e a verdadeira produtividade depende quase em exclusivo dos capitais europeus, a nova cidade cria-se livremente pela mão daqueles que a procuram de uma forma cada vez mais incessante. Nestes espaço, em que a empresa não influi, o trabalhador, que muitas vezes não vem trabalhar na indústria que é ainda incipiente, o novo habitante tem grande facilidade em edificar a sua própria habitação, nela introduzindo elementos de ordem diversa, que passa pelas tecnologias utilizadas na sua construção e também pela decoração utilizada, formando assim um espaço que se molda a sai próprio. Nestes casos, ao contrário do que acontece no modelo europeu, os processos de educação funcionam de forma ambígua, uma vez que a orientação, muito pessoal e dinâmica, se debate permanentemente com a heterogeneidade que caracteriza cada um dos seus elementos.
Este processo de urbanização pré-industrial, ao contrário do que acontece no modelo inverso, surge com uma tendência muito grande para inverter as lógicas da cidade, ou seja, invertendo as tendência de escolha e aquilo que naturalmente deveria ser o devir histórico do espaço.

O primeiro problema que se levanta, fundamentalmente imiscuído de todas as problemáticas que envolveram estes espaço no período imediatamente subsequente ao desenvolvimento das doutrinas liberalizantes que se institucionalizaram após a Revolução Francesa, é o da propriedade. Esta, também marcando a diferença face à industrializada Inglaterra e à muito rica França, era aqui fraccionada até atingir unidades de tal forma pequenas que se tornava impossível dividi-las mais. Foi este parcelamento, principalmente das grandes quintas e herdades que envolviam o espaço urbano propriamente dito, que possibilitou o êxodo rural, uma vez que os terrenos, pela sua situação periférica e sobretudo pela desvalorização resultante da delapidação das unidades, que obviamente trazia implicações, por exemplo, ao nível da possibilidade de aceder à água e aos acessos condignos, que tornou acessível a cidade aos que habitavam no campo. Estes, como é evidente, adquirindo ou arrendando os terrenos diminutos que lhes eram acessíveis, formaram os primeiros subúrbios, onde a heterogeneidade, vincada cada vez mais pelas diferenças culturais de cada um, se vai progressivamente esbatendo até de atingir uma certa semelhança nos processos utilizados para construir e para fundamentar os novos espaços.
Nos espaço pré-industriais, onde a segurança social e os apoios estatais eram ainda utopias que ninguém pensava ser possível atingir, a subsistência em minifúndios, a partir de uma auto-suficiência que as técnicas agrícolas e hortícolas continuavam a assegurar, vai transformar a cidade verdadeira num cada vez mais assumido mercado, onde o habitante do subúrbio encontra espaço para vender a sua parca produção, adquirindo os bens que o impeliram a procurar a fuga ao campo. Estes habitantes não possuem laços de relação com a cidade, uma vez que não encontravam aí qualquer espécie de empregos ou de segurança. As suas relações, após terem sido eclipsados os laços que o uniam às tradições milenares de âmbito campestre, são assim vincados a partir de uma reconstrução cultural que se faz fora da cidade, junto ao espaço habitacional, onde, para além do espaço e da acessibilidade, o novo citadino vai encontrar toda a liberdade que lhe permite recriar, com arte e com fundamentos culturais que misturam o campo com toda a apetecível novidade que traduz a essência da urbe, um novo espaço ou, para utilizar uma terminologia que esteja compatível com a situação actual nestas zonas, uma nova cidade.

Segundo Leontidou, a principal característica desta urbanização mediterrânea é o facto de ser informal, ou seja, de se processar com diversos ritmos muito próprio e sem qualquer espécie de homogeneidade, criando vastas empatias e equilíbrios que, sendo muito próprios e pessoais, não permitem estudar com o aprofundamento suficiente, a globalidade destes aglomerados habitacionais.
O carácter informal, mais do que resultante das tendências culturais, políticas ou legais dos espaço onde se inserem, traduz realidades económicos e educacionais. Os novos habitantes, que utilizam as suas casas como forma de efectivarem um poder que a cidade não conseguiu fornecer-lhes, são cada vez mais constrangidos a educarem-se mutuamente, criando paradigmas sociais que lhes permitam usufruir da cidadania que perderam quando abandonaram o campo, e que a grande cidade lhes não conseguiu conferir. A casa, com o espaço envolvente, geralmente transformado numa horta ou num pequeno quintal, é assim um instrumento de sociabilização, no qual reside, na maior parte dos casos, o elo de ligação entre este habitante e os seus vizinhos. A forma, a cor, a decoração, as espécies vegetais que cultiva ou planta, ou mesmo a vedação e as técnicas utilizadas para construir o espaço, são na grande maioria dos casos, instrumentos de afirmação, que permitem ao indivíduo recriar a sua personalidade e criar. É precisamente aqui, no sentido artístico que envolve o processo de criação, que reside a análise que procuraremos promover às habitações do concelho de Cascais.

Na península de Lisboa, principalmente na zona situada a poente da capital, a urbanização dos novos espaços, com especial incidência naqueles que surgem desde o final do século XVIII, segue um modelos de concretização muito próximo daquele que nos transmite a urbanista mencionada. Os grandes aglomerados históricos, recebendo no seu seio uma população descaracterizada que ali procura encontrar os benefícios de um progresso que só faz sentido nas cidades, são assim adaptados às novas existências, adquirindo um conteúdo formal que os aproxima dos modelos paradigmáticos das grandes cidades europeias. Em termos decorativos, com um amplo vínculo de âmbito educacional, as principais bases que norteiam o processo construtivo prendem-se assim com esta necessidade de recriar laços de cidadania que se perderam no momento da chegada ao novo espaço. Por outro lado, sempre com um cunho muito particular na efectiva vinculação que os novos habitantes vão sentindo face ao espaço em questão, é importante assegurar que se vão construindo novos equilíbrios sociais que, para serem verdadeiramente representativos dos valores que procuram transmitir àqueles que por ali se vão instalando, têm de fazer uso de uma vastidão de princípios, de ideais, de valores culturais, políticos, económicos e mesmo religiosos que, nalguns casos, e numa perspectiva imediatista, se afiguram como verdadeiramente desadequados e incompatíveis. É precisamente da reunião desta diversidade de saber, que numa perspectiva antropológica faz crescer uma riqueza cultural que poderíamos até considerar sumptuária, que nasce a essência decorativa da urbanidade cascalense, a qual envolve, de uma forma permanente e em permanência, todos os actos e todas as decisões dos que para ali vão habitar.
Em termos políticos, ou seja, em termos daquilo que eram as decisões tomadas em relação ao nascimento e à consolidação destes espaços, há pouco a dizer, uma vez que o Estado, centralizado e forte, dava muito pouca liberdade aos órgãos locais para decidirem e para organizarem o seu espaço. A consciência dos construtores, bem como de todos aqueles que para ali, através do arrendamento, vinham viver, era unicamente a sensibilidade do ser capaz de possuir uma habitação que estivesse de acordo com as perspectivas de vida de todos eles. A precariedade do emprego, conjugada com as crises cíclicas que afectavam amiúde a vivência dos países industrializados, que afectavam indirecta mas com muito mais fulgor ainda a existência daqueles que delas dependiam, obrigava estes novos habitantes a encontrar espaços que, a preços módicos e ajudando a evitar o pagamento incomportável de rendas, lhes permitissem usufruir das regalias da sua nova vida. Enquanto que nos países mais desenvolvidos, o próprio aluguer urbano servia de forma perene de controle das massas operárias por parte dos empresários, que construíam as casas que eram pagas como parte integrante do salário semanal ou mensal daqueles que delas usufruíam, nos países pré-industrializados, como era o caso de Portugal, o arrendamento derivava sempre da capacidade empreendedora dos que iam conseguindo possuir as suas casas e os seus terrenos.
Em espaços como o Monte Estoril, por exemplo, encontramos exemplos significativos da forma como esta existência urbana, marcada pelo binómio que se caracteriza em permanência pelo contraste entre a existência burguesa e a aristocracia tradicional, acaba por influir na criação de uma nova identidade local, na qual o próprio carácter cénico da paisagem, do vestuário e da decoração das diversas casas, garante a manutenção das prerrogativas que mantêm no seu lugar cada uma das partes que compõem a nova totalidade social.
No local actualmente designado como ‘As Cocheiras do Monte Estoril’, encontramos um exemplo paradigmático dessa situação. Com uma colocação geográfica extraordinariamente boa, situada muito próximo da zona mais nobre daquela que foi na época a mais nobre das nobres localidades da Costa do Sol, o pequeno complexo das cocheiras possui características cénicas que permitem entendê-lo como uma espécie de tradução da sua singularidade face à totalidade do espaço envolvente. Muito próxima dos outros, de que depende para sobreviver, a comunidade de assalariados que habita nas cocheiras possui um espaço próprio que, em termos do seu enquadramento estrutural, se alicerça em princípios estéticos que lhe garantem não se confundir com as partes restantes da paisagem urbana. Construídas de raiz para albergar os empregados da Companhia do Monte Estoril, principalmente os operários que trabalharam na construção da linha férrea que ligava o Monte Estoril a Pedrouços, as cocheiras possuem no seu andar térreo uma série de espaços para guardar animais. Com todo o terreno vago que envolve o Monte Estoril, no qual facilmente se poderiam construir as instalações necessárias à colocação dos animais, a Companhia opta por colocá-los em conjunto com os seus operários, demonstrando assim que a centralidade do espaço construído para esse efeito, contrariamente àquilo que seria de esperar, não é definidora de uma qualidade e de uma excelência na sua existência, mas sim de uma certa discriminação, essencial para que se possa alicerçar a educabilidade que deveria enformar a criação da nova sociedade estorilense.
Em termos estéticos, a decoração utilizada para a concretização destas ideias, misto de beleza que deveria envolver uma zona nobre por excelência, e de uma certa particularidade que garantisse a satisfação da diferença, alicerça-se na utilização de uma cor diferente daquela que era utilizada para a generalidade das restantes habitações daquele novo espaço. Assim, enquanto que o ideal estético da denominada ‘Casa Portuguesa’, com a sua luminosidade alva nas paredes, envolvida nos pormenores rocambolescos de uma exuberância que dota aquele espaço de características que o vão transformando numa zona única em todo o panorama turístico português, assenta na pintura em tinta branca, fazendo recriar os laços existentes entre a nova vivência e aquilo que se pretendia consubstanciar como a existência tradicional do País, as cocheiras adoptam uma luminosidade opaca, baseada nos tons amarelados, ao qual se apensam alguns elementos decorativos em madeira. A utilização da cor, marcando a distinção do espaço servil face ao espaço nobre da localidade, e a decoração em madeira, marcando uma aproximação aos ideais estéticos de índole romântica que garantiam a dependência de ambos os espaços, é assim fundamento de uma formalização objectiva do património edificado enquanto elemento gerador de educação na nova comunidade.
Em contrapartida, em espaços onde o vínculo se faz pela negativa, ou seja, em espaços em que o poder instituído não intervém directamente, a decoração patenteada pelas casas faz nascer uma individualidade que está, de uma forma eminente, enquadrada na vivência artística.

Um dos exemplos mais paradigmáticos desta situação, tal como se pode observar pela tabela que apresentamos em anexo, é o da Parede, ou seja, uma localidade nascida deste útero de periferia, marcada desde sempre pela negligência ao nível das instituições municipais e Nacionais, e profundamente constrangida pela necessidade de se auto-definir ao nível do seu carácter comunitário. Nascida de uma situação semelhante àquela que apontámos genericamente como enquadrável nos modelos evolutivos mediterrâneos, a Parede até no seu topónimo deixa antever uma necessidade de afirmação que resulta do processo histórico da sua concretização. Muito embora só existe, em termos institucionais desde o início do século XX, a localidade da parede, hoje sede de Freguesia resulta teoricamente da evolução de uma existência que havia sido marcada pela antiga aldeia de Cai-Água e essa, por seu turno, marcada também pela existência de diversas comunidades pré-históricas que utilizaram o seu espaço. Em termos práticos, no entanto, e tal como o comprova o levantamento patrimonial que apresentamos agora publicamente, não existem praticamente laços de união entre as duas realidades, uma vez que, a moderna Parede, de cariz republicano e revolucionário, e assumidamente a mais proletária de todas as localidades do concelho de Cascais, é uma realidade que resulta da chegada dos novos habitantes pré-industriais que para ali vão trazer um sentimento de suburbanidade que a antiga aldeia rural não conhecia. Os paredenses, hoje entendidos como parte integrante, a todos os níveis da vivência cascalense, foram, durante várias décadas, o resultado da existência de uma comunidade proletária em que o estabelecimento urbano se alicerçou nos princípios, nas orientações e nas motivações que anteriormente mencionámos.
Em termos físicos, com base na divisão dos terrenos que faziam parte das grandes quintas que o Comandante Nunes da mata ali adquiriu para mandar edificar, a preços módicos e acessíveis, uma nova povoação que correspondesse às necessidades efectivas da classe trabalhadora que não suportava habitar na cidade de Lisboa, onde os preços das acessibilidades eram pagos com valores que eles não podiam aguentar, a Parede do século XX conhece a auto-construção como forma eminente de se urbanizar. As velhas azenhas e moinhos, colocados estrategicamente para receberem sem encargos de maior os produtos agrícolas do interior do território, e para poderem enviar apara Lisboa as farinhas após terem sido manufacturadas, deixaram de fazer sentido num espaço onde todos eram iguais e onde todos sabiam fazer o mesmo. Os operários que se instalaram na Parede, oriundos de muitas partes do país, e observando o mesmo ritual quotidiano de utilização do comboio para chegar à capital, tornaram obsoleta a economia tradicional deste espaço, facto que obrigou a que se destruísse quase todo o parque habitacional antigo e tradicional, que hoje praticamente é impossível observar no interior da localidade da Parede, e o substituísse pelas novas casas de cariz operário e burguês, que seguiram quase à risca, as orientações apontadas por Leontidou.
Estas novas edificações, longe de seguirem os modelos desde sempre utilizados pela tradicionalidade local, impuseram-se através da diferença, fazendo apelo a formulações estéticas e decorativas que permitiam a utilização de muitas das bases culturais que traziam das suas terras de origem, e que eram sistematicamente adaptados à nova vivência de conjunto que aqui procuravam estabelecer. Vivendas como a do ‘Gato’, bastante próxima do centro da urbanidade paredense, são exemplos paradigmáticos da forma como a utilização decorativa de novas formulações, acaba por influir na capacidade de efectivarem, através do cunho artístico pessoal dos seus criadores, uma afirmação pessoal e comunitária da qual depende o próprio nascimento da povoação.
De facto, se nos ativermos às necessidades culturais da população, depressa compreenderemos a importância que assume a possibilidade de, através da decoração das suas casas, ganharem uma forma de afirmação que está em consonância com tudo aquilo que é o espírito que enforma o nascimento da institucionalidade e do poder da própria povoação. As casas, espelho muito fiel do sentir cultural de cada um dos seus habitantes, são, no seu conjunto um misto da harmonia que resulta da afirmação pessoal dos diferentes tipos de comunidade que ali habitam, com a heterogeneidade que marca a diferença que entre eles, de uma forma permanente e quase imutável, se vai efectivando.
A nível da estrutura urbana, ou seja, da forma como se dispõem os edifícios no seio da complexidade real que resulta da necessidade de se conseguir, na teia emaranhada de edifícios que compõem as diversas ruas marcadas pela construção não-planificada, discernir linhas orientadoras que promovam o entendimento sobre as bases culturais que a enformam, é possível perceber que existe uma competição básica, de âmbito individual, dela resultando a grande maioria das orientações que agregam as casas, a sua decoração, e os próprios quarteirões onde se inserem. Desta forma, ao nível da visibilidade e do ordenamento do território, no seio de todas as incongruências que caracterizam a falta de plano e de previsão urbana, é possível encontrar linhas mestras, em que a colocação espacial de cada edifício, mais do que propriamente a sua localização paisagística ou as acessibilidades, é definidora dos fundamentos que regem as relações sociais. Esta situação, assaz curiosa se entendermos que no seio destas povoações a visibilidade da casa, muitas vezes construída num interstício sem quaisquer condições, é mais significante do que a própria qualidade da sua construção ou as vistas que dela se fruem, permite-nos ainda perceber qual é, verdadeiramente, a importância que a imagem e, logo, a própria decoração, exercem sobre aqueles que a constróem.
Como o comprovam os diversos casos que mencionamos em anexo, cada uma das casas construídas arbitrariamente pelos proprietários dos terrenos, sem terem de se reger por quaisquer regras fixas ou planos directores que enformassem as suas características, é um repositório de âmbito psicológico de tudo aquilo que são as personalidades dos que as constróem. Assume sempre maior importância neste contexto aquilo que a casa parece ser, através dos elementos decorativos que coloca na sua fachada, do que propriamente aquilo que ela verdadeiramente é. Os espaços em questão, muitos deles tão afastados socialmente entre si que é difícil entender a relação existente, apresentam características únicas ao nível da singularidade.
Mesmo nos casos em que existe alguma partilha, como acontece, por exemplo, nos bairros ditos ‘alentejanos’ da zona norte de São Domingos de Rana, ela é baseada na necessidade de afirmação pessoal. Nestes casos, embora utilizando um plano comum para a construção das casas, uma vez que um conjunto muito vasto de famílias adquiria de comum acordo um terreno onde, com custos muito mais reduzidos, construía as dezenas de casas de famílias que tinham obrigatoriamente de ser exteriormente semelhantes, cada casa é um caso, adoptando formulações estéticas que permitem asseverar que a decoração que lhes está apensa, é definidora de uma singularidade a que todos aspiram. As fachadas brancas, incólumes na alvura da sua construção, após terem recebido no seu seio a família que transforma aquele edifício num lar, imediatamente lhe desvirtua a imagem, de modo a singularizar a habitação, dotando-a assim de uma identidade que permita identificar quem lá habita.
Em termos sociológicos é comum fazer assimilar esta busca da identidade a uma espécie de necessidade natural de ostentação das condições de vida melhoradas que se foram conseguindo adquirir. Neste caso específico, mediante a observação sistemática do património edificado cascalense, tal parece não fazer sentido, uma vez que, por exemplo no caso do Bairro dos Sete Castelos, situado muito perto da Quinta da Torre da Aguilha, encontramos cerca de três dezenas de habitações, estruturalmente semelhantes mas que, à primeira vista, parecem estar situadas a níveis de existência completamente diversos. Estas casas, pertencentes a um mesmo grupo de operários que trabalhou nas obras de grande vulto que ocorreram em meados do século na cidade de Lisboa, para além de terem sido construídas no mesmo período, utilizando os mesmos materiais e as mesmas técnicas, apresentam características que hoje, pese embora o facto de a generalidade dos seus habitantes possuir uma base económica e cultural semelhante, se torna difícil perceber a sua identidade comum. Como é evidente, e facilmente entendível através de uma observação sistemática daquilo que se passa neste espaço, não foi a necessidade de ostentação que levou à modificação decorativa das casas. Essa observação, feita de um modo constante ao longo dos anos, foi suportada pelo próprio evoluir das estruturas mentais da comunidade que, de uma forma equilibrada entre os interesses individuais de cada um e as necessidades colectivas do grupo, foi conseguindo levar a bom termo a inclusão de elementos que definiram e orientaram a edificação face às restantes.
O valor da casa, mais do que dependente daquilo que ela é, ou mesmo daquilo que ela representa, deriva assim daquilo em que ela se transforma com os elementos que decorativamente lhe auguram a possibilidade de ela se afirmar face às restantes, fazendo com que o seu proprietário se afirma também. Nalgumas situações paradigmáticas, como acontece por exemplo, também na Parede, com a denominada ‘Casa das Pedras’, pertença do eminente biólogo Azevedo Gomes, o carácter decorativo do edifício não tem tão pouco nada a haver com as suas características interiores. As pedras que compõem a fachada, decorando-a, mais não são do que um símbolo da magnificência do edifício face aos restantes, uma vez que lá dentro, num espaço onde seria propícia a excentricidade que o exterior patenteia, nem sequer se faz sentir o mínimo sinal da rudeza da sua face externa. Neste caso específico, em que a decoração se assume como um elemento fundamental na estrutura arquitectónica da edificação, esta é pura e simplesmente direccionada para os outros, uma vez que aqueles que nela habitam, e que se responsabilizam pela escolha dos elementos que compõem a fachada, escolheram também para o seu conforto pessoal e para a interioridade do seu lar, qualquer coisa diferente, pois ali já não chegam os olhares do mundo.

Novas Gentes e uma Nova Democracia


por João Aníbal Henriques
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Os actos eleitorais recentes deixaram provado que chegámos ao fim de um ciclo político.

De facto, e tendo em conta até os níveis de participação eleitoral que vão acontecendo um pouco por toda a Europa (veja-se a grande vitória eleitoral da abstenção nas eleições autárquicas de 9 de Outubro), o socialismo dito democrático nascido no pós-guerra e baseado em pressupostos ideológicos que geraram as correntes neo-liberais do regime partidarizado que ainda hoje subjuga a política do velho continente, já não representa nada nem ninguém.

As novas gerações, politicamente motivadas para uma intervenção que generaliza a ideologia, espera da política e dos políticos soluções práticas para o seu dia-a-dia e, sobretudo, soluções que em termos doutrinários sejam suficientemente latas para que possam abarcar todo o espectro cultural, social e multinacional que hoje caracteriza a Europa. As velhas ideologias, geradas por modos de vida que já hoje não existem, estão mortas, e só não foram ainda enterradas porque ainda estão vivos (e a esses ainda lhes convém manter o controle) alguns (poucos felizmente) daqueles que nos transportaram politicamente desde meados do Século XX até à actualidade.

Hoje, quando os ritmos da multiculturalidade marcam o quotidiano das comunidades, e quando as marcas fronteiriças ganharam um novo significado, a sociedade exige a criação de uma nova representatividade política que, como dizem os “especialistas” deve ser também representatividade económica, social e, sobretudo, cultural.

Estamos, por isso, no momento em que é essencial repensar a democracia e ponderar todos os factores que nos foram dizendo que ela garante… Liberdade? Fraternidade? Igualdade? Quando deles se tornaram efectivos no âmbito do regime partidarizado em que vivemos já há tanto tempo? Seremos verdadeiramente livres? Seremos mesmo fraternos? Seremos iguais? Julgo que as respostas são óbvias…

Enquanto foi possível acreditar que aquilo a que chamaram democracia, e que mais não é do que uma ditadura partidarizada, poderia caminhar em direcção ao cumprimento dessas garantias fundamentais, os cidadãos procuravam simbolicamente a representação com determinada facção ou partido, e participavam eleitoralmente na escolha dos políticos.

Agora, que já se percebeu que tudo é utopia, desde os partidos até às ideologias, passando pelas figuras dos políticos e, sobretudo, pela ilusão eleitoral, a verdade despiu-se de toda a sua diáfana envolvência e surge crua e dura aos olhos de todos: a maioria dos cidadãos, independentemente da sua origem étnica, cultural, linguística, profissional ou económica, já percebeu que nunca encontrará no actual regime uma resposta perene às suas necessidades de representação.

É fundamental uma Nova Democracia.

É essencial que essa Nova Democracia possua os fundamentos que lhe garantam a abertura suficiente para alargar o espectro da sua representatividade. É obrigatório que a Nova Democracia seja simultaneamente aberta à criação de sinergias entre diferentes princípios ideológicos para salvaguardar a possibilidade de representar todos aqueles que possuam virtualidades políticas e, simultaneamente, suficientemente estanque para garantir que não sofre as incursões (ou pelo menos consegue identificá-las e combate-las) por parte dos grupos de índole diversa que ainda vão controlando a nossa sociedade.

A Nova Democracia tem, OBRIGATORIAMENTE, de ser uma Democracia Apartidarizada!...

Não admito que a maioria decida o meu dia a dia!


por: João Aníbal Henriques
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Há alguns anos atrás o insuspeito vocalista da banda "Delfins", numa ode de vocação esquerdizante contra toda a participação de Portugal em terras africanas, dizia que "não admitia que a maioria decidisse o seu dia-a-dia"...

E de facto, não faz sentido que sejam Sócrates, Sampaio ou outros quaisquer (lembre-se quantos portugueses efectivamente votaram nesta gente) a decidir por mim e a imporem-me soluções e formas de vida encapuçados pela tal pseudo legitimidade democrática. Só pode existir democracia verdadeira quando os portugueses (sem excepção e englobando maiorias e minorias) estejam politicamente representados.

Logo, só pode existir democracia quando acabarem com estes partidos!
Mas, mais grave ainda, a situação torna-se inqualificável quando falamos do aborto. Onde está a voz dos bebés que são chacinados legamente com o aval partidário da AR?

Onde está a possibilidade de se defenderem?

Onde está a possibilidade de se tornarem cidadãos de pleno direito, com opinião, formação e actividade que possa contribuir para o devir futuro da Nação?

Mas que raio de coisa é esta em que, discutindo motivos processuais (o que é que importa a mim, à generalidade dos portugueses e a esses bebés assassinados se estamos ou não noutra legislatura?), os partidos políticos se arrogam no direito de decidir sobre a vida dos outros?

É execrável ver tudo isto tratado assim. Porque se não admitimos que a maioria governe o nosso dia-a-dia, muito menos devíamos admitir que a VIDA ou a morte fossem decididas por votação!

quinta-feira

Na Senda da Democracia


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por João Aníbal Henriques (joao_henriques@yahoo.com)
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Muito embora se possam permanentemente discutir os seus princípios e fundamentos, restam poucas dúvidas relativamente ao facto de o regime democrático em que teoricamente vivemos ser aquele que melhor garante a representatividade aos cidadãos. O rol de direitos e de deveres que enformam a cidadania, oferecendo liberdade e cerceando-a sempre que ela interfere com a liberdade alheia, cria uma teia de valores e de princípios que fundamenta a coexistência e a identidade das Nações.
O grande problema com que actualmente nos debatemos em Portugal é que, contrariamente ao que vêm dizendo a generalidade dos nossos políticos, o sistema governativo que possuímos, nos mais variados níveis, está muito longe de ser um regime verdadeiramente democrático.
Os 850 anos de História do nosso País, ao longo dos quais se sucederam governantes e regimes das mais variadas origens e orientações, são exemplo brilhante da forma como foi possível experimentar sucessivamente diferentes opções políticas, adaptando-as à realidade Nacional sem nunca desvirtuar a identidade dos portugueses. De facto, desde os primórdios da Nacionalidade até ao início do Século XX, regimes feudais, absolutistas, liberais, constitucionais e democráticos foram-se sucedendo sem que Portugal nunca tivesse chegado a ser verdadeiramente feudal, absolutista, liberal, constitucional ou democrático.
Os governantes portugueses, mais preocupados com os resultados efectivos da sua actuação, do que com as teorias políticas em voga, recriavam com base na sua experiência pessoal e nas vicissitudes do momento, formas alternativas de governação.
O advento da democracia, sub-sistema político de carácter eminentemente europeu, decalcado dos fundamentos que regiam a gestão pública na cidade clássica de Atenas, veio alterar radicalmente este pressuposto.
Os princípios doutrinários teoricamente fundamentados em experiências alheias foram instituídos em Portugal sem qualquer espécie de cuidado ou adaptação. Aos portugueses, que em 1974-75 ainda possuíam características próprias e uma identidade Nacional bem constituída, foram oferecidos direitos e garantias que nada tinham a haver com a realidade e com as necessidades locais.
Se, numa primeira fase, ao longo dos primeiros anos, a novidade determinou empenho e motivação, assistindo-se à formação de intermináveis filas de espera junto das mesas de voto, a passagem do tempo veio mostrar as falhas graves do sistema.
Hoje, quando teoricamente a entrada na Europa veio contribuir para o alicerçamento da nossa cidadania, possibilitando-nos o acesso a realidades que até há pouco tempo quase desconhecíamos, já quase ninguém vota em Portugal. Os eleitos, nas mais diversas eleições, são escolhidos por um número progressivamente menor de portugueses. Dos que se dão ao trabalho de ir às urnas – geralmente menos de 50% da totalidade da população -, somente uma pequena parte coloca o seu voto no vencedor do escrutínio.
As ilações a retirar deste fenómeno são imediatas: um sistema inadaptado à realidade Nacional; uma população que não se sente representada nem motivada perante as escolhas políticas que lhes apresentam; e uma enorme falta de preparação de eleitores e de eleitos para, com toda a consciência exercerem o seu direito de voto. A tão propalada e desejada democracia não existe em Portugal, e continuará a não existir enquanto os partidos políticos não concederem aos portugueses a possibilidade de expressarem directamente a sua opinião.
Se a nível das autarquias a situação é escabrosa, a nível Nacional o cenário não é melhor. Votações fundamentais na Assembleia da República em que os deputados (a quem nós pagamos o ordenado todos os meses) nem sequer se dão ao luxo de participar, deitando por terra a escassa legitimidade democrática que ainda possuíam e ferindo de morte a base do sistema democrático, contribuem ainda mais para o descrédito dos políticos e dos partidos que representam.
Os portugueses, verdadeiramente democratas na sua essência exigem mais e melhor: representatividade, liberdade de escolha, e capacidade de opção. Para que tal seja possível, e para que Portugal possa viver em democracia plena e efectiva, é essencial que se invertam os equilíbrios e que se coloquem os partidos onde deveriam ter estado sempre: ao serviço da população.

Direitos Humanos e... Portugal!


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Portugal recebeu no final do passado ano um dos mais prestigiados visitantes dos últimos tempos. A convite da organização da Porto 2001, esteve no nosso País um dos últimos galardoados com o Prémio Nobel da Paz: Sua Santidade o Dalai-Lama. Sujeito às pressões do regime comunista e totalitário chinês, que ocupou pela força o território do Tibete, o Governo Português não teve coragem para receber oficialmente tão ilustre convidado. Com esta atitude envergonhou Portugal e os portugueses, sublinhando que se rege por dois pesos e por duas medidas e que os tão propalados valores da liberdade, da justiça, e da equidade social não são os seus.
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por João Aníbal Henriques (joao_henriques@yahoo.com)



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Foi sem pompa e sem circunstância que Sua Santidade o Dalai-Lama visitou Portugal. Conhecido pela sua capacidade de bem receber, e pela permanente busca de valores fundamentais como a paz e a justiça, o povo português viu-se obrigado a uma inexplicável sujeição aos ditames emanados pelo Governo Autoritário Chinês, renegando os princípios que sempre regeram a sua conduta.
Desde 1949, quando o Congresso Americano anunciou publicamente que a República Popular da China tinha “alargado o seu poder pela força” ao território do Tibete, que o Dalai-Lama, líder espiritual dos tibetanos, se encontra exilado na Índia.
Acompanhado por cerca de 85000 compatriotas, que livremente escolheram a defesa dos seus valores e do seu líder, em detrimento das muitas regalias proporcionadas pelo regime comunista chinês, o Dalai-Lama instalou-se em Dharamsala, iniciando um processo pacífico mas permanente de busca de uma solução política para livrar o seu povo do jugo do invasor.
Desde essa altura até hoje, estima-se que mais de 1.200.000 tibetanos que se mantiveram no seu território, tenham morrido às mãos dos ditadores. Os que restam, entrincheirados sob a tutela policial do regime, assistiram de forma impávida à destruição de mais de 6000 mosteiros e centros culturais tibetanos.
Interessada em recriar uma hegemonia total no seu vasto território, a China optou por destruir pela força as raízes milenares do Tibete, não se poupando à tortura, à humilhação e à repressão para impor o seu modelo de vida. O governo chinês não admite o direito de expressão; o direito à autodeterminação; ou sequer o direito à existência do Tibete. As demais nações do Mundo, mercê da inexistência de riquezas naquele espaço, têm fechado os olhos à situação, facto que contrasta com intervenções de força assumidas pela comunidade internacional em situações semelhantes mas onde os interesses são outros.
Mas se os E.U.A., a França, a Inglaterra, a Alemanha, a Espanha e os demais países ditos civilizados e ocidentais mesmo assim têm desculpa, por poderem alegar um desconhecimento da situação que todos sabemos ser falso, Portugal não a tem.
Ainda há pouco tempo, quando Timor Leste vivia situação semelhante perante a ocupação indonésia, o mesmo estado português que agora fingiu não saber da presença do Dalai-Lama, para não importunar o amigalhaço comunista chinês, envidou todos os esforços para que essa comunidade internacional reconhecesse o direito à autodeterminação do povo maubere. E como se tal bastasse, usou e abusou do sucesso dessa causa para propagandear os seus feitos.
Mas há mais culpados da vergonha de Portugal. O Presidente da República, que não se cansou de sublinhar, sempre que precisou do eleitoralismo dos votos populares, as suas origens políticas como militante “antifascista” ou como defensor dos valores da liberdade, como tinha curiosidade em conhecer o Dalai-Lama, fingiu que o encontrou por acaso num Museu de Lisboa.
O Partido Comunista, também ele fundamentando a sua existência num permanente, mas ao que parece oco, apelo à liberdade, nem sequer teve coragem de assumir uma posição efectiva perante a visita do Nobel da Paz. Os camaradas chineses não deixaram...
Foi ultrajante para Portugal, para os portugueses e para a nossa História Pátria o que aconteceu. Foi inexplicável que, sem argumentos e sem explicações, algumas das mais eminentes instituições e personalidades da nossa praça política, tenham sido incapazes de negar ao regime ditatorial chinês a sua pretensão.
Ao Dalai-Lama, que há mais de quarenta anos assiste às privações, às torturas, às violações, e às transferências forçadas do seu povo, mantendo, mesmo assim, um discurso de paz e de apelo à resolução pacífica e fraterna de todos os problemas, deve ter parecido estranha a situação.
Para os portugueses, habituados a lutar pelos seus ideais e a zelar pela liberdade de todos os Seres Humanos, foi vergonhoso e ultrajante, e ao mesmo tempo fonte de preocupações acrescidas porque finalmente percebeu que, contrariamente ao que têm vindo a dizer-lhe, a Soberania Portuguesa já não está em Portugal.