quarta-feira

Revitalizar Cascais




Por João Aníbal Henriques

Uma das mais conhecidas leis da física diz que quando maior é a subida, maior é o tombo. No caso do comércio de Cascais pode inverter-se totalmente esta afirmação. Quando se desce tudo aquilo que se podia descer, não resta mais nada do que iniciar o processo de subir. Requalificar o comércio de Cascais, oferecendo-lhes as condições necessárias ao seu êxito, é viabilizar também uma total revitalização de toda a Vila. Como é evidente, estamos todos interessados no mesmo!...

Já passaram cerca de três anos após ter sido assinada, e internacionalmente ratificada, a Declaração de Málaga. Este documento, espécie de síntese das dezanove principais medidas que deverão orientar os processo de reconversão urbanística dos centros históricos, resultou de um importante congresso sobre comércio tradicional, apadrinhado pelo Governo Espanhol, e fornecido como uma espécie de receita para minorar grande parte dos males que actualmente afectam os aglomerados urbanos tradicionais nos países ocidentais da Europa.

Baseada em diversas experiências levadas a efeito em Espanha, Reino Unido, França, Alemanha, Suíça, Itália e Irlanda, a Declaração de Málaga é ainda muito mal conhecida junto das instituições que nos governam. A sua primeira grande virtude, quando nos debruçamos sobre a sua aplicabilidade relativamente ao caso português e, muito em particular, sobre o caso de Cascais, é que fornece pistas fundamentais para perceber o fenómeno de desagregação que tem vindo a afectar os núcleos comerciais tradicionais no nosso País.

Partindo da ideia de que os centros urbanos se compõem de diversos intervenientes, nos quais o comércio possui um papel primordial, os urbanistas que elaboraram a declaração afirmam taxativamente que a única forma de perspectivar uma revitalização efectiva do comércio tradicional, colocando-o em posição de concorrer em iguais circunstâncias com as grandes superfícies comerciais de segunda geração, é abordar o fenómeno urbano na sua totalidade.

Não basta, como tem sido costume fazer em Portugal, que os programas de incentivo ao comércio remodelem as esplanadas, os toldos, os anúncios e recriem uma ambiência de qualidade. Se não existirem condições de segurança, de limpeza, de conforto, de estacionamento, etc., dificilmente se conseguirá revitalizar estes espaços.

Da mesma forma, o único caminho que permite a revitalização do comércio tradicional, requalificando assim os espaços urbanos, é dotando-o do conjunto de condições que lhe permita oferecer à clientela uma oferta alternativa à dos centros comerciais. A proximidade relativamente aos clientes, aliada à humanização do espaço envolvente, é uma mais valia irrepetível nas grandes superfícies, e que, se for bem gerida, pode ser o elemento que inverte por completo a situação caótica que actualmente vivemos.

Para isto ser possível, a cidade deve ser vista como um todo, abarcando comerciantes, empresários, serviços, moradores, etc., e compreendendo que sem um destes componentes todos o sistema fica desequilibrado e irremediavelmente comprometido.

A animação de que hoje tanto se fala é, por exemplo, uma forma totalmente errada de perspectivar o problema. Sem se integrar de forma activa naquilo que são as vivências sociais, económicas e culturais da cidades, espelhando a sensibilidade, a vontade e as aspirações de todos quantos ali trabalham e residem, as acções de animação servem quando muito para propagandear a cidade, mas não lhe trarão a clientela que se afigura essencial para a revitalização comercial.

A revitalização do núcleo urbano de Cascais, dando ensejo à inversão da actual tendência comercial, deverá passar pelo apoio a uma gestão integrada do espaço, criando serviços de administração urbana e utilizando técnicas comuns às grandes superfícies comerciais, de forma a tornar possível a criação de uma estratégia de promoção e de marketing. Desta acção deverão fazer parte, entre outros, os componentes seguintes: manutenção das condições de segurança; criação de condições de higiene; animação das áreas pedonais; criação e gestão de estacionamentos; organização de eventos públicos, festas, publicidade, etc.;

Com uma plena consciência destes princípios, e depois de ter chegado ao fundo do poço, ficam criadas as condições para que Cascais volte a ser um espaço urbanisticamente saudável, no qual a componente residencial se sinta confortável, e o comércio possa readquirir o fulgor de outros tempos.

Assim haja vontade de fazer!...